Sexta passada, 27, corria pelas ruas um buzinão danado. Celebração desportiva? Excesso da praxe universitária? Casamento de meia-noite? Não! Eram, em vésperas de eleições, as caravanas políticas, ajuntamento cuja aritmética me escapa: em fila sonora, parecem mais, logo são mais; se forem muitos, ainda mais serão… Qual é a fé que sustenta esta extravagante procissão motorizada? Congregar as hostes e chamar os indecisos? Jogar a última carta? A convicção de que ganha quem mais berra? Será um ritual premonitório do resultado eleitoral? Um ritual antecipatório em que armar, hoje, músculo garante, por magia, força amanhã? Uma simulação de vitória para atrair quem gosta de acertar no vencedor? Uma pulsão tribal na era da técnica? Seja qual for a razão, não deixa de ser comovedor ver tanto português a carburar tanto combustível.

No dia 25 de Abril de 1975, já lá vão quase quarenta anos, fiquei com o trauma das caravanas. Responsável de um partido político no concelho natal, surpreendeu-me a vitória, nacional e concelhia, nas eleições para a Assembleia Constituinte. Para comemorar, organizou-se, em jeito de ex-voto, uma caravana. Enorme! Um milagre de multiplicação de adeptos. A caravana dirigiu-se à fronteira. Passou pela alfândega e desceu a encosta rumo à rotunda e à ponte que separa os dois países. Aguardavam-nos, do lado espanhol, dezenas de soldados da guarda civil de metralhadora em riste. Ainda governava Franco. Nunca circundei uma rotunda sob tamanha tensão. Um arrepio de emoções no poço do inferno. A situação foi séria, nada de simulações ou hiper-realidades. Com 16 anos, viajava no carro da frente. Aquelas metralhadoras não esquecem; continuam apontadas à memória.

As caravanas lembram-me, por homofonia, a canção Caravan, dos Blur, bem como o grupo rock/jazz Caravan, criado em 1968. Por acaso,o vídeo dos Blur e o vídeo dos Caravan (A Hunting We Shall Go) partilham uma característica: ambos foram filmados, ao vivo, no Bataclan: os Blur, em 2003, e os Caravan, em 1973. O Bataclan, em Paris, não é uma casa de espetáculos qualquer: tem o selo de Portugal, a impressão digital de compatriotas de carne e osso. Ao domingo, o Bataclan era um dos principais pontos de confluência de jovens emigrantes portugueses. Acorriam de longe. O Vítor, por exemplo, vinha de Bordéus, cerca de 600 km sem TGV. Outros deslocavam-se da Bretanha ou da Lorena. Numa tarde, reunia-se uma dúzia de colegas de escola! Assim sucedia com os melgacenses, com os montalegrenses, com os pombalenses… Em Paris, os portugueses ocupavam, ao domingo, outros locais de dança: a sala Wagram, junto ao Arco de Triunfo, o Week-end, em Montparnasse, a “Mairie du XVI Arrondissement”, perto da Torre Eiffel. Estes jovens, arrancados da terra ainda verdes, não mereciam este país mendigo. Um colega de escola, companheiro, também, do Bataclan, regressou a Portugal, onde criou uma empresa, por sinal, de sucesso. Má sina, o negócio era na área da construção civil; com quase sessenta anos, voltou a emigrar, agora, para a Suíça. Este país depenado continua a dar-se ao luxo de dispensar pessoas trabalhadoras, empreendedoras e experientes, de que, se calhar, precisa mais do que imagina.