Na “Catedral do Andebol”, Vitaliy Poltavskyy, ucraniano de 47 anos, assume o papel de um autêntico “sacristão” da limpeza há já mais de uma década. A chegada a Portugal deu a Vitaliy um emprego pelo qual um dia, garante, vai chorar.

Ouve-se o apito de início do jogo dos seniores do ABC de Braga. A equipa minhota enfrenta o Madeira SAD. O público canta: “eu sou A, eu sou B, eu sou ABC”. As palmas misturam-se com o canto ou, por vezes, com o grito. O pavilhão está repleto de adeptos vestidos de amarelo e preto. São 17 horas. Abrem-se as portas para a luta pela vitória.

Enquanto isso, vê-se, ali no “túnel” dos jogadores, alguém com o rodo, que serve para fazer a limpeza do chão, na mão. É Vitaliy Poltavskyy, o homem que cuida do pavilhão academista há 12 anos. O ucraniano, que veio para Portugal há 13 anos “sem saber dizer uma palavra em português”, tem no Pavilhão Flávio Sá Leite quase uma “segunda casa”.

Vitaliy chegou a Portugal “sem nada”, aprendeu a língua a “treinar diariamente em casa sem qualquer ajuda”. Hoje em dia, vive em Braga com a esposa e uma das três filhas – as outras duas vivem na Ucrânia.

Vem de bicicleta para o trabalho faça chuva ou faça sol. Neste dia, há já sete horas que Vitaliy está no pavilhão, apesar de a hora da chegada depender do trabalho que adianta nos dias anteriores aos dos jogos. A necessidade de preparar tudo até ao ínfimo pormenor impõe-se. Por vezes, confessa o ucraniano, “os dois dias que antecedem um jogo dos seniores são uma verdadeira azáfama e passo aqui mais de 12 horas para que não falte nada”.

Este foi um desses dias. Vitaliy enfrentou o seu labirinto de tarefas, como tantas vezes. Se os dias antes dos jogos são uma azáfama, então os minutos que os antecedem são “para morrer”, segundo diz.

 

O gosto pelo clube

O “cuidador do Sá Leite” confessa que gosta muito do clube minhoto. Diz que “chegar a Portugal e arranjar um emprego numa família como o ABC de Braga” foi a melhor coisa que lhe podia ter acontecido. “Estou aqui com gosto e com vontade de trabalhar”, remata.

Enquanto decorre o intervalo do jogo da equipa sénior, Vitaliy pega numa folha de papel onde aponta todas as tarefas que faz semanalmente. “A tarefa mais exigente” é a volta pela cidade para publicitar e anunciar os jogos. Sendo o futebol o desporto favorito na cidade, “a responsabilidade de atrair adeptos ao ABC de Braga é enorme”.

As reservas dos lugares de estacionamento para os árbitros e para a equipa adversária antes de cada jogo são, também, tarefas que ocupam o tempo de Vitaliy. O homem academista tem nas mãos a responsabilidade de limpar o piso do pavilhão e, além disso, limpa as bancadas e coloca os equipamentos nos balneários do coletivo bracarense antes do jogo.

Momentos antes do apito de início da partida, o “cuidador” da equipa minhota põe a água e a resina (para que as sapatilhas e as mãos dos jogadores tenham aderência) no banco. De seguida, liga as luzes que dão brilho ao pavilhão. Vitaliy diz que é neste momento que tem tempo “para respirar”.

Nos dias em que não há jogos, Vitaliy ocupa-se de outras tarefas menos importantes, mas que são essenciais para o bom funcionamento do pavilhão – assume que, por vezes, é um “biscateiro”“Arranjo muitas vezes as torneiras, as portas e até as cadeiras das bancadas”, refere.

Entretanto, recomeçou o jogo. O ABC está na frente do marcador, a vencer o Madeira por 22-7. Vitaliy retoma o seu posto com o “amigo fiel”: o rodo do chão. As entradas no terreno de jogo, para limpar o pavimento durante o jogo, são inúmeras. Quando faltam dez minutos para terminar a partida, num momento em que o resultado está em 37-15 favorável aos academistas, Vitaliy desloca-se aos balneários para abrir as portas.

 

Recordações de um ABC triunfal

O corredor que leva aos balneários é, para Vitaliy, “o sítio mais importante do pavilhão”. Aqui encontram-se os quadros e as fotografias dos momentos mais altos da história do ABC de Braga. Há 12 anos que Vitaliy passa lá todos os dias e, em todos os instantes, recorda os grandes tempos da equipa de andebol da cidade de Braga.

Os tempos em que o ABC lutava por títulos nacionais e internacionais. Os tempos em que o ABC era “grande e tinha possibilidades económicas para comprar jogadores estrangeiros”“Os tempos em que a equipa tinha um treinador-ganhador, o falecido Aleksander Donner, para quem todos os jogos eram para ganhar”, diz Vitaliy.

Passados os dez minutos, o jogo terminou e a vitória em grande escala de 42-21 fez ganhar o dia aos minhotos. É neste momento que o ucraniano, que se diz“sensível”, sente mais orgulho na equipa do ABC. Neste momento, recorda alguns dos jogadores que por ali já passaram: Carlos Galambas, Álvaro Martins, Yuriy Kostetskyy e José Costa. Afinal de contas, Vitaliy acompanhou uma grande parte dos jogadores que integram, ou que já integraram, o plantel da seleção nacional.

Quando voltam à “Catedral do Andebol”, Vitaliy sente “uma saudade enorme”, porque todos eles foram “grandes jogadores, grandes pessoas, grandes cidadãos e grandes amigos” – que sempre o ajudaram quando mais precisou.

Vitaliy admite que “se um dia sair do ABC de Braga” vai ser “o dia mais infeliz e mais negro” da sua vida. Para o ucraniano, Portugal é a “segunda pátria”, os portugueses os “segundos familiares” e o ABC de Braga a “segunda casa”.