Em dezembro do último ano, os media abalaram o país com uma trágica notícia: seis jovens tinham morrido na praia do Meco, em Sesimbra. Apenas um tinha sobrevivido. O acontecimento foi de tal forma impactante, que poucos lhe ficaram indiferentes. E, desde então, têm-se multiplicado as notícias, reportagens, opiniões e especulações sobre aquilo que terá acontecido na fatídica madrugada de 15 de dezembro.

Soubemos de início que os seis jovens eram estudantes da Universidade Lusófona de Lisboa, tinham alugado uma casa junto à praia do Meco para passar o fim-de-semana,  e na altura da tragédia envergavam trajes académicos. Este facto levantou uma possibilidade, fortemente mediatizada – a de a tragédia decorrer de uma praxe.  Esta possibilidade, por sua vez, gerou um enorme estado de alerta social em torno das actividades praxísticas, que decorrem nas universidades portuguesas. E daqui ressaltaram, de imediato, posições bem contraditórias. Enquanto uns se batem pela tradição, e pelo espírito integrador da praxe, outros lançam-lhe duras críticas, suportadas por duros adjectivos. Os media alimentam esta polémica contradição em torno da praxe.

Paralelamente a esta discussão social, os media promovem investigações ao fatídico acontecimento na praia do Meco, procurando reconstituir os momentos que antecederam a tragédia. Até porque é dever dos jornalistas zelar pela verdade, e informar com qualidade, rigor e isenção, apostando na verificação e, mesmo, na contradição. E é precisamente ao nível da “verdade” que encontramos um problema: são muitas as possíveis verdades sobre aquilo que terá acontecido no Meco. Jornalistas, comentadores, analistas, autoridades, amigos e familiares das vítimas, todos se envolvem nesta polémica. Mas, apesar de todas as contribuições, ainda estamos longe de conclusões.

Perante este cenário de incertezas, eis que se ouve da voz do secretário de Estado do Desporto e da Juventude, Emídio Guerreiro, no passado dia 27 de janeiro, a seguinte “certeza”: “[O que aconteceu] não é praxe académica. São actos ilícitos que devem ser punidos”. Ora,  num momento em que o país se questiona sobre aquilo que realmente causou a morte dos seis jovens estudantes, e discute as possíveis implicações da praxe no caso, Emídio Guerreiro desvaloriza a discussão, lançando acusações precipitadas, e impróprias para um membro do governo. Acusações essas que comprometem o único jovem sobrevivente – a principal vítima deste ruído mediático -, e que deve ser protegido pelo princípio da presunção da inocência.

As declarações do secretário de Estado do Desporto e da Juventude mereceram as críticas da Bastonária da Ordem dos Advogados, Elina Fraga, que não se escusou de comentar o caso: “Vejo com muita preocupação essas declarações. Primeiro, porque está em curso um inquérito e parece-me algo precipitado que antes de haver uma conclusão, proferida por quem tem a seu cargo a investigação criminal – que não me parece que seja o senhor secretário de Estado -, ele possa fazer afirmações desse teor”.

Mas, antes disto, no dia 21 de janeiro, os jornais avançaram com a informação de que “o inquérito aos trágicos acontecimentos na praia do Meco passou a estar sob segredo de Justiça por determinação da Procuradoria-Geral da República, tendo também mudado de mãos”.

Mantendo o secretismo à volta do caso, o único sobrevivente da tragédia, e líder da Comissão de Praxe da Universidade Lusófona de Lisboa, João Gouveia, já foi ouvido pela polícia judiciária, a quem negou qualquer praxe. O jovem mantém a primeira versão dos acontecimentos – a tragédia foi acidental -, sem esclarecer muitas outras questões, como estas: Por que é que na noite da tragédia, João Gouveia voltou à casa alugada para arrumar os pertences de todas as vítimas? Por que é os telemóveis das vítimas estavam desligados? Havia ou não mais pessoas na praia, na noite da tragédia?

É dele que o país espera agora todas as respostas. Caberá a este jovem a difícil missão de clarificar esta maré de incertezas e pôr termo a este círculo mediático em torno do Meco?

Certo é que a praxe se tornou uma palavra de amplitude nacional, capaz de concentrar fortemente a atenção do país. O tema permite desviar o olhar dos media e, claro, dos portugueses de assuntos aparentemente preocupantes: a qualidade do sistema de ensino superior e o risco de colapso económico das universidades portuguesas, os cortes nas propinas e nas bolsas de investigação e o aumento do desemprego jovem, para dar alguns exemplos.

A tragédia do Meco é, de facto, o assunto das últimas semanas. É-o nos media, é-o na sociedade, e é-o no país. Os critérios de noticiabilidade justificam-no. Mas, até certo ponto.

A verdade precisa de ser descoberta, as culpas (se as há) precisam de ser averiguadas, e os culpados (se os há, também), precisam de ser julgados. Mas este espaço, o da justiça, já não é o espaço dos media. É o espaço dos tribunais.  Resta aos media acompanhar os desenvolvimentos do caso, sem insistir na criação, muitas vezes sensacionalista, de supostos desenvolvimentos, através de reconstituições ousadas, que arriscam projectar o jornalismo para um campo inseguro. Um campo sem fronteiras e de limites frágeis, onde verdade e suposição entram em grande discussão.

No dia 15 de dezembro os noticiários da hora de almoço abriram todos com a notícia da morte dos seis jovens. Naquele dia, a actualidade, a proximidade, o carácter trágico e surpreendente do acontecimento impunham-se. Resta saber até que ponto os critérios jornalísticos continuam a justificar o acompanhamento diário da tragédia, e até que ponto haverá verdadeiras novidades para acrescentar ao caso, diluindo a especulação.

A verdade é que nos últimos dois meses, as televisões foram-nos apresentando noticias diárias sobre o acontecimento. São notícias em cadeia, dia após dia, apresentadas em capítulos, como se de uma série se tratasse. O problema está no facto de as personagens serem pessoas já sem vida, familiares que precisam de fazer o seu luto, longe dos holofotes, e um jovem sobrevivente, cuja dignidade tem de ser respeitada, e que antes de qualquer decisão judicial continua inocente.

A ambição de saber mais, dar uma nova pista, acrescentar um facto tem movido jornalistas, de norte a sul do país. Mas é hora, talvez tardia, de repensar comportamentos e travar exageros desnecessários. Pois, acreditamos que nesta corrida pela “verdade do Meco”, o primeiro a abrandar vai ter mais a ganhar.