Da Jamaica ao Haiti, Hello Reflektor!
Passados quase 10 anos do lançamento de um dos álbuns mais aclamados de sempre – Funeral – os Arcade Fire surgem agora com o seu novo e polémico álbum: Reflektor. Por estarmos há 3 anos à espera desde o aclamado sucesso comercial The Suburbs, talvez seja o alinhamento mais complicado de rever da ultima década. «Os subúrbios» colocaram os “Fire” num patamar em que seria impossível não sermos fãs do conjunto formado por Win Butler, Régine Chassagne, Richard Reed Parry, William Butler, Jeremy Gara e Tim Kingsbury.
Vencedores de inúmeros Brit Awards, Grammy Awards e NME Awards, a banda de Indie Rock oriunda de Montreal, Quebec, parece ter evoluído de todas as maneiras possíveis e imaginárias. Durante a sua viagem ao Haiti, Win Butler e Regine Chassagne, foram expostos à influência da música rara (original do Haiti, usada nas procissões durante a época da Páscoa e marcada por maracas, trompetas de bambu, tubos de metal feitos de material reciclado e outros elementos percussivos). Win Butler, o vocalista da banda, alega que esta viagem o transformou para sempre e parece ter transportado isso para o novo material musical da banda: “I mean, it’s not like our band trying to play Haitian music. I just felt like we were opened up to a new influence. Bob Marley probably felt the same way the first time he heard Curtis Mayfield.”
Para além da presença desta vertente mais primitiva da música, Reflektor conta com um grande vínculo à música disco, que claramente adveio do facto do mesmo ter sido co-produzido pelo frontman dos LCD Soundsystem, James Murphy, com quem a banda já queria trabalhar há vários anos.
Depois de aproximadamente 60 músicas escritas e logos espalhados por todo o mundo a fazer-lhe campanha, Reflektor acabou por apresentar um reportório de 13 faixas.
Com o título do seu respetivo álbum, a primeira música teria tudo para ser o single perfeito, não fossem os seus longos 7 minutos e 33 segundos. Com um background ornamentado por sons da selva e uma alma imersa de dance e eletrónica, “Reflektor” não podia representar melhor a nova e diferente aventura dos Arcade Fire.
“Here comes the Night Time” e “Here Comes the Night Time II” parecem ter sido escritas e compostas uma a seguir à outra – “The second one was actually written first (…) Both of them are very much influenced by when the sun is just starting to go down in Port au Prince, and it’s really intense because most of the city doesn’t have electricity so everyone is just racing to get home before dark.” A primeira é uma música tão animada quanto o carnaval do Haiti e conta com guitarras próprias do indie rock, “pianinhos” eletrónicos harmoniosos, assim como com sons alusivos à natureza selvagem. Já a segunda, tem um caráter mais nostálgico e representa o caminho lento e triste no qual o dia passa a noite no Haiti.
Enquadrada no mesmo ambiente, temos também Flashbulb Eyes, uma música que, pelos seus padrões eletrónicos vincados e instrumentos percussivos, vem também evidenciar o caráter carnavalesco do álbum.
“Normal Person” e “You Already Know” apresentam-se mais blues-rock, semelhante ao de bandas como os The Black Keys: riffs de guitarra carregados e distorcidos e um piano intermitente, próprio desse estilo musical.
Por outro lado, “Joan of Arc” e “We exist” são duas faixas que podem ser referidas em conjunto, por terem ambas um baixo rítmico, o que acaba por ser o que mais as marca. A primeira, tal como “Reflektor”, tem o requinte da língua francesa.
“Awful Sound (Hey Eurydice)” merece ser uma música descrita separadamente, por ser tão emocional quanto triste, tal como o silêncio pode ser – “ I know you can see/things that we can’t see/but when i say i love you/your silence covers me/oh, Eurydice, it’s an awful sound.”
A introduzir os ultimos 24 minutos de música, surgem-nos “It’s Never Over (Oh Orpheus)” e “Porno”, duas músicas muito eletrónicas, que abrem portas para o tema mais fantástico do álbum – “After Life” – que acaba por compilar todas as influências subjacentes a Reflektor; envolvida num ambiente místico, com sons produzidos por maracas, batuques e padrões eletrónicos emocionantes. A letra desta música é de ouvir e chorar por mais, cantada por Win e Régine, com harmonias e oh-oh’s melodiosos – “After life, i think i saw what happens next/it was just a glimpse of you, like looking through a window/or a shallow sea/could you see me?”.
Este álbum ambicioso termina com “Supersymmetry”. Um terminus que parece perfeito para um encore – como se da última música de um concerto se tratasse – deixando quem o ouve curiosíssimo pelo futuro trabalho dos Arcade Fire, que poderá não chegar tão para breve.
Depois de ouvir este álbum mais do que vinte vezes e de ler sobre o seu background e influências, torna-se muito mais fácil ficar-se fã de um trabalho que, à partida, parece uma mudança brusca no estilo musical da banda.
Os Arcade Fire passaram de um funeral a uma festa, o que não é fácil, como Reflektor no-lo demonstra tão bem. A tarefa simples cativar um público que está ainda tão habituado àquilo que é mainstream e fácil de entranhar também não é fácil. Como disse a Rolling Stone – «It is also a perfect summary of their group’s still-fervent indie-born hunger after a decade of mainstream success, and specifically, the decisive, indulgent ambition on Reflektor: a two-record, 75-minute set of 13 songs and the best album Arcade Fire have ever made».
Reflektor é um álbum cheio de experiências e histórias a ser contadas que, marcando o amadurecimento dos criadores de “Wake Up”, merece, sem sombra para dúvidas, ser ouvido com a nossa maior dedicação.