A Velha lá está, todos os dias, de portas abertas, a fazer coisas que só a Velha faz. Vive do que lhe dão: de vontades, voluntariado e, claro, das pessoas que lhe enchem a casa de vida . E não é por isso que é menos feliz.

Se não fosse pelo logótipo marcado a branco sobre a porta vermelha, poucos saberiam que é ali que ela vive. Quem passa no número 23 do Largo da Senhora-a-Branca, em pleno centro histórico de Braga, pode encontrar a Velha-a-Branca, uma cooperativa cultural independente com muito para dizer.

O ComUM foi conhecer a Velha e por lá encontrou Luís Tarroso Gomes, um dos membros fundadores. Desde 2004  a associação ocupa o edifício do século XVII e faz da cultura a sua vida, num país onde esta morre de dia para dia.

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O sustento da Velha

Não é que fosse o mais importante, mas a conversa começou por aí. Nos jardins que a estreita fachada esconde, sentamo-nos a falar com quem se propunha a explicar melhor quem era a Velha. E Luís Tarroso começou precisamente pelo financiamento para dar a conhecer a grande bandeira que a Velha defende: Independência.

Funcionando desde o início sem quaisquer apoios financeiros, a Velha vive do que lhe vão dando: as receitas do bar e da realização de cursos e workshops. Já a sua génese foi assim: “Braga tinha muito poucas coisas a nível cultural. Um grupo de amigos sentiu a necessidade de desenvolver um espaço cultural totalmente independente, sem as diretivas de ninguém.”

Procurou-se um edifício no centro histórico com uma renda acessível. Acabou por se encontrar aquele, bem maior do que a ideia original previa. O contrato é simples de entender: “Em troca de uma renda mais baixa temos que cuidar da casa. Todas as melhorias que façamos ficam por nossa conta. Para além disso, quando o proprietário quiser a casa, temos que a devolver. Não é um mau negócio até.”, diz-nos o cofundador com um sorriso na cara, olhando com orgulho para aquilo que é hoje o edifício da Velha.

Quando falamos dos tempos que vivemos, o representante da associação não esconde que a independência tem um preço que pode, a certa altura, custar a vida à Velha. Obviamente que uma organização que se orgulha da sua independência mas que vive dependente da participação nas atividades desenvolvidas se vê afectada com a conjetura económica atual. “A cultura não é uma prioridade quando tens que escolher entre isso e bens básicos”.

E para onde a Velha vai?

Sabe-se logo que Luís Tarroso há muito que faz parte deste projeto quando o vemos encontrar uma história para contar em cada canto que visitamos: desde o telhado degradado que os membros fundadores trataram de manter em pé à sala de cinema improvisada no cimo da escadaria que usa as cadeiras almofadadas que alguém não quis aproveitar.

Perguntamos quem era a Velha. Uma pergunta legítima à qual Luís Tarroso não conseguiu conter uma enorme gargalhada. “A última pessoa a viver por cá era uma viúva. Quando encontramos este lugar tínhamos connosco um designer espanhol. Foi ele que concebeu o conceito e desenhou aquilo que é hoje a nossa marca.” Mas não esperou pelo baptismo, o tal espanhol, já que teve de sair de Braga antes da Velha-a-Branca abrir. Se estiver a ler esta reportagem, saberá aquilo que é hoje a Velha que ele sonhou: um espaço cultural independente de referência em Braga.

Não é por isso de espantar que tantos nomes já tenham passado pela velha e lá deixado as suas memórias e marcas: estamos a falar, a título de exemplo, do poema que valter hugo mãe tratou de escrever ao longo de toda a escadaria da Velha, ou então de todos os convidados que já estiveram nas “Conversas no Tanque”.

“Se dependesse do público da UM, a Velha já tinha fechado”

Tentando compreender qual o papel da Universidade do Minho para a programação cultural da Velha, o ComUM quis saber qual o grau de participação dos estudantes da academia minhota na vida da Velha. Luís Tarroso mostra-se crítico face a disponibilidade da comunidade académica, indo mais longe nas críticas à Associação Académica e à Reitoria. “ São alguns os alunos da UM [Universidade do Minho] que contribuem para a construção do nosso programa. Mas é um grupo restrito de dois ou três cursos”.

Embora considere que o distanciamento geográfico entre o espaço onde vive hoje a Velha e a Universidade seja um factor a ter em conta, o cofundador da cooperativa cultural não acredita ser isso que impeça os jovens universitários de a visitar. “Este desligamento acontece com o crescente aparecimento de bares junto à universidade, mas não só. Também o “boom dos carros”  alterou muito a noite de Braga, já que muitos optam hoje por não morar na cidade”.

Não é por isso de estranhar o tom triste com que Luís constata: “à exceção dos alunos de alguns cursos, sempre tivemos péssimos indicadores a nível de participantes nas atividades em geral. Se fosse uma festa ia toda a gente, mas se for um ciclo de cinema já é diferente”.

Conversa puxa conversa e depressa somos levados a recordar o cineclube que funcionava no Bar Académico e que a Associação Académica extinguiu. “A AAUM é uma espécie de organizadora do Enterro da Gata e da Recepção ao Caloiro”. Sugere por isso, em tom de brincadeira misturada com muito sarcasmo que se crie uma comissão de festas se for só para organizar esses dois eventos. Mas a reitoria também não é deixada de fora das críticas: “em tempos de maior desafogo financeiro não promoveram a elevação cultural dos alunos. Agora não podem esperar milagres”.

A Velha é aquilo que as pessoas querem que ela seja

Quando o espaço foi criado, o seu intuito era o de que fosse finalmente possível realizar eventos de forma “acessível”, sem a “burocracia dos espaços grandes” nem o “desleixo que havia nos bares”. Uma mensagem que a associação tenta comunicar há nove anos mas ainda sem total sucesso.

É por isso que a corporativa cultural conta com as sugestões da comunidade para as novas atividades a desenvolver. “Um espaço como este é exatamente para que se façam coisas. Mas as pessoas ainda têm aquela ideia de não querer incomodar”, conta-nos Luís Tarroso.

No fundo esta velha, que em tempos tão duros, teima em não morrer, trilha um caminho cada vez mais difícil. O que não a impede de continuar a sonhar. E enquanto conseguir, terá sempre as portas abertas: quer seja para só tomar um copo, assistir a um workshop ou avançar com um projeto novo.

 Rui Barros
Gonçalo Costa