Os propósitos da Solidão
Três anos depois do último volume da trilogia 1Q84, Murakami regressa às estantes das livrarias na próxima semana com “A Peregrinação do Rapaz Sem Cor” – Colorless Tsukuru Tazaki and His Years of Pilgrimage (versão inglesa). No Japão (e só no primeiro mês) já vendeu um milhão de cópias. Por cá, promete entrar de rompante no top de bestsellers das principais livrarias portuguesas.
Desta vez Murakami conta a história de Tsukuru Tazaki e as cicatrizes do seu tempo de adolescência. Nascido na pacata cidade de Nagoya, Tsukuru podia ser encontrado em duas situações distintas: ora sentado no banco da estação da cidade a ver os comboios partir e a chegar, ora junto do seu inseparável grupo de amigos: Aka, Ao, Shiro e Kuro – cujos nomes significam, respectivamente Vermelho, Azul, Branco e Preto.
Hoje, aos trinta e seis anos de idade, Tsukuru – que quer dizer, literalmente, fazer coisas – constrói estações de comboios e é mais um no meio dos 13,35 milhões de pessoas que vivem na capital japonesa. Um homem solitário e sem cor que não consegue esquecer o dia em que os seus amigos consideraram que estava a mais e que, por isso, nunca mais se poderiam ver.
Está traçada uma trama enérgica e intrigante que balança constantemente entre a memória e o mistério. A história do homem sem cor que teve de aprender a viver na solidão depois de as pessoas de quem gostava terem, a dada altura, sumido por completo da sua vida.
Aqueles que já conhecem o autor não ficarão, no entanto, surpreendidos com este novo protagonista: de Norwegian Wood a Wind-up Bird Chronicle, a obra de Murakami está repleta de personagens assim. As referências a clássicos da música continuam (desta vez é Liszt que serve de banda sonora à solidão de Tsukuru) e continuamos a ter personagens misteriosas que somem da vida do protagonista sem aparente explicação. A presença destas marcas narrativas poderá, por isso, desapontar aqueles que esperavam uma ruptura com a anterior obra do autor.
No entanto, dizer que A Peregrinação do Rapaz Sem Cor é a obra mais madura de Murakami poderia soar a cliché, mas não há dúvidas de que o é. Embora se possa esperar uma fraca tradução portuguesa (o título, por si só, deixa já muito a desejar) e das já referidas críticas à repetição cansativa de personagens cinzentas e vazias, A Peregrinação do Rapaz Sem Cor é uma história original sobre as cicatrizes do passado e sobre a irritante capacidade humana de deixar que essas cicatrizes mudem quem realmente somos. É a história de alguém que nos faz questionar o propósito da nossa própria solidão e se essa não será a nossa verdadeira natureza. E só os grandes autores são capazes disso.
Afinal de contas, como o próprio Tsukuru descobre quando decide enfrentar o seu passado, “podes sempre esconder as tuas memórias, mas nunca serás capaz de apagar a história produzida por elas”. E aos 65 anos, o corredor de maratonas e um dos mais influentes escritores da nossa tempo contínua fiel à sua mais preciosa memória: o dia em que se sentou à mesa da cozinha decidido a contar uma boa história.