A megalómana inocência dos U2
Já se sabe que o conceito U2 é, por estes dias, sinónimo de megalomania. Por isso mesmo, não deveria espantar que o novo álbum tivesse direito a estrondosa aparição pública. E assim foi: as canções foram gratuitamente disponibilizadas (e, em muitos casos, automaticamente descarregadas) para as bibliotecas do iTunes de milhares de utilizadores, o que gerou alguma polémica (será que toda a gente quereria o álbum?).
Controvérsias à parte, o que Songs of Innocence nos propõe é um conjunto de narrações autobiográficas que nos leva dos ídolos de juventude da banda (na óbvia e inconsequente “The Miracle of Joey Ramone”) às tumultuosas recordações de uma Irlanda exposta aos atentados e conflitos alimentados pela fé religiosa (no negrume pop desinspirado de “Raised by Wolves” ou, por exemplo, nesse belo lamento que é “The Troubles”, para o qual contribui a voz da sueca Lykke Li).
Sonicamente, todavia, o álbum não nos traz grandes surpresas. De facto, muitas das canções inserirem-se facilmente no registo dos dois últimos álbuns do grupo: há ecos do rock mais extrovertido e orelhudo que lembram How to Dismantle an Atomic Bomb (2004), intervalados com o tipo de ambiências mais melancólicas que se podia ouvir em No Line on the Horizon (2009), sugerindo-se, assim, que o efeito surpresa se deixou ficar sobretudo pela campanha de lançamento.
Outrora um dos grupos mais marcantes do universo pop-rock – basta recordar álbuns como The Joshua Tree (1987) ou Achtung Baby (1991) –, os U2 de 2014 são autores de canções inconsequentes e genéricas. O rock de “California (There is No End to Love)”, bem como a agonia plástica de “Raised by Wolves” ou a fórmula gasta de “Every Breaking Wave” demonstram uma banda sem capacidade de se reinventar, que ora soa demasiado ao seu passado, ora aos grupos que influenciou.
Ainda assim, por entre um álbum com dificuldades em valer por si, subsistem alguns momentos dignos de nota. A balada “Song for Someone”, por exemplo, encerra uma excelente prestação de Bono, afigurando-se aqui como o único hino de estádio digno de entrar no cancioneiro dos U2. Já o enérgico pulsar rock de “Volcano” demonstra o baixista Adam Clayton e o guitarrista The Edge em contagiante performance.
Infelizmente, por cada boa canção que existe em Songs of Innocence (a hipnótica “Sleep Like a Baby Tonight” e a melancolia de “The Troubles” serão as outras pérolas), abundam, em proporção dupla, exercícios desinspirados e incapazes de surpreender. Tudo aponta, assim, para que o décimo terceiro disco da banda fique na História pelo burburinho que gerou, mas não pela força do conteúdo. Essa, só os fãs mais chegados quererão saborear a tempo inteiro.