Mão Morta: “Não nos conseguimos alienar do mundo em que vivemos”
Os Mão Morta apresentaram seu último álbum, intitulado “Pelo meu relógio são horas de matar”, em Braga, num concerto inserido na Braga Music Week. O ComUM esteve à conversa com o vocalista da banda, Adolfo Luxúria Canibal, acerca deste trabalho, da situação atual da banda e da cidade que os viu nascer.
A tour de apresentação do novo álbum iniciou-se em Braga, na TOCA. Porque optaram por iniciar a tour nesta cidade?
Não foi propriamente uma decisão, mas mais um acaso. Quando começamos a montar a digressão – que inicialmente queríamos centrar em Outubro e Novembro – recebemos uma proposta do Theatro Circo para 4 de Outubro e ficamos com essa data reservada para Braga, começando então a desenhar-se que o início da tour seria na cidade. Quando repentinamente o Theatro Circo, em vésperas da data marcada, quis alterá-la para o dia anterior, decidimos avançar para um local alternativo, que foi a TOCA.
Como foi este regresso a casa?
Foi um bom regresso, com casa cheia, e sobretudo um bom teste para percebermos como poderão correr as outras datas da digressão, já que o público bracarense – talvez por sermos de Braga – é tradicionalmente muito desconfiado para connosco. Assim, a reação final, de grande apoteose, deixa-nos tranquilos quanto aos próximos concertos.
O concerto inseriu-se na Braga Music Week. Que acharam desta iniciativa?
É uma boa forma de dar uma outra visibilidade e uma imagem mais completa dos diversos eventos e micro eventos que acontecem na cidade e que, normalmente, passam despercebidos e quase clandestinos.
Qual é o contributo desta iniciativa para a cidade a nível cultural?
Como é evidente, uma maior visibilidade desperta mais público para eventos que, de outro modo, ninguém saberia que existiam. Há a ideia generalizada de que em Braga não se passa nada e esta aglutinação das várias coisas que acontecem num único acontecimento vem mostrar o quão errado é essa ideia – afinal passa-se muita coisa.
O que traz de novo este álbum em relação a trabalhos anteriores?
Tal como em todos os trabalhos anteriores, há uma nova abordagem musical e artística, uma nova experimentação de métodos e formas de fazer música e um novo olhar e questionar sobre o mundo que nos rodeia e em que vivemos.
Este é um “álbum militante”?
Não considero que este, ou qualquer outro disco dos Mão Morta, seja um álbum militante. Não alienamos um milímetro da nossa liberdade ou do nosso prazer mais egoísta em nome ou em função de um qualquer desígnio de educação cívica ou intervenção social ou política. Simplesmente, também não nos conseguimos alienar do mundo em que vivemos, da realidade que nos toca e agride ou das questões e desejos a que nos induz. São as nossas angústias existenciais, com que não conseguimos impedir-nos de contaminar o trabalho criativo que realizamos – ou por causa dele.
O vosso videoclip da música “Horas de Matar”, que pertence ao último álbum, foi um sucesso nas redes sociais e até mereceu a atenção de diversos orgãos noticiosos. Estavam à espera de tanta agitação em torno daquele videoclip?
Não. Sabíamos, com base na ideia que dele nos havia transmitido o Rodrigo Areias, o seu realizador, que iria causar algum impacto, ter alguma visibilidade, mas estávamos longe de imaginar o fenómeno que gerou – de tal modo que nem o conseguimos rentabilizar em termos de vendas. O disco só chegou às lojas uma semana depois, altura em que estes epifenómenos mediáticos já perderam as suas ondas sísmicas indutoras de euforia, também consumista.
O álbum que precedeu a este agora apresentado, “Pesadelo em Peluche”, foi lançado pela multinacional norte-americana Universal, no entanto neste mais recente trabalho voltaram à NorteSul, da Valentim de Carvalho. Qual o motivo do regresso a esta editora com quem já tinham trabalhado anteriormente?
A NorteSul havia mostrado interesse em voltar a trabalhar connosco, ultrapassados os problemas que a mantiveram alguns anos afastada do mercado, e como a relação que tínhamos tido no passado tinha sido frutuosa e tinha deixado boas recordações, quando decidimos avançar para um novo disco contactámo-los.
Depois de 30 anos de carreira, como definem o atual momento da banda?
A sensação é que estamos num pico de forma e com o deslumbramento intacto, como se tivéssemos acabado de chegar.
O que vos falta alcançar?
O que sempre nos faltou e que foi o único motivo porque nos formamos: ir tocar a Berlim.
Os Mão Morta viveram a época áurea da música em Braga. Como olham hoje para a cidade a nível cultural?
Não sei se a época áurea da música em Braga não é a actual. Há sempre tendência para romantizar o passado, enchê-lo só de coisas excitantes e memoráveis, mas depois olhamos para os factos e o que nos surge é algo muito diferente… E o facto é que nunca houve tantas bandas e tantos músicos em Braga como agora e, mais importante do que isso, nunca em Braga foi feita tão boa música e em tanta quantidade como hoje. E também nunca houve tantas condições para ensaiar e para tocar ao vivo, mesmo para gravar e editar discos, com as que hoje existem na cidade. Se pode ainda ser melhor? Claro que sim, ainda há muito a fazer… Mas hoje estamos definitivamente melhor do que na década de 80 do século passado.
(Entrevista realizada via email)