Boa noite Lille,

Hoje despeço-me de ti. Depois de quatro breves meses desencontramo-nos. Ainda em Portugal me disseram: “em Lille choramos duas vezes: quando chegamos e quando nos despedimos”. E ao que parece, é mesmo verdade.

Lembro-me de te ver chegar, bem maior do que imaginava. Abraçaste-me sozinha, com uma língua estranha, mas num conforto especial. Eu sabia que teríamos de nos dar bem nos próximos tempos, e tu não irias facilitar – começaste logo no primeiro minuto em que entrei na residência universitária. Na primeira festa, a Braderie, conseguiste convencer-me com toda a gastronomia presente e dinâmica cultural, com jovens em festa por todas as ruas da cidade, e eu decidi perdoar-te.

Contigo, enquanto passeamos pelo centro inspirador e historicamente marcado pela 2ª Guerra Mundial, as pessoas vão-nos sorrindo na rua. Passamos gratuitamente pelo Zoo e acenamos ao panda-vermelho, subimos os 104 metros da torre do Beffroi e visualizamos toda a cidade. No primeiro domingo de cada mês os museus são gratuitos e assim aproveitamos e passamos pelo Museu de História Natural, continuamos pelo Palais des Beaux Arts, almoçamos na escadaria da Ópera, compramos um póster dos Beatles e um livro de Júlio Verne na Vieille Bourse, e finalizamos pelos infindáveis jardins da Citadelle, enquanto soa música de uma guitarra tocada por grupos de jovens. E nós sentamo-nos e jogamos às cartas, rindo das diferenças que vamos encontrando, como o excessivo uso de queijo para todas as refeições (até em sushi…), a mentalidade e diferente cultura, e todas as boas consequências dessas diferenças.

Vamos até ao Mercado, em mais um dia de sol (disseste-me que chovia constantemente e que era extremamente frio, mas percebi bem cedo que o segredo seria uma t-shirt e casaquinho, e um casacão bem quente), e fico fascinada com a cor e forma dos frutos e vegetais lá presentes – e com uma banca de chocolates a preços bastante chamativos. Recordo-me também da forma estranha com que danças, Lille, em festas da ESN. Todas as semanas há festas e eventos especiais para alunos Erasmus, com temas apelativos (desporto, karaoke, rally, entre outros) e com a possibilidade de termos um Padrinho Erasmus e outros amigos que ficam para uma vida.

Outra grande vantagem é a de estarmos praticamente no centro da Europa e podermos viajar de forma bem em conta para cidades como Paris, Bruxelas, Amesterdão, Colónia, e mesmo Londres.

A minha dupla titulação de Mestrado? Logo em Setembro, pude trabalhar na Universidade, num intercâmbio especialmente criado entre Lille-3 e a UM, e ainda fazer formação técnica em investigação no Imaginarium, uma empresa soberba com um sistema de inovação e criatividade ao estilo Google, em que na hora de almoço a simpatia, alegria e divertimento primavam entre as mesas de ping pong, sofás e matraquilhos. Ao longo das seis semanas intensas de aulas, tive oportunidade de conhecer excelentes professores, de várias nacionalidades – e de conhecer novas línguas e pronúncias, o Ch’ti (uma pronúncia de Picardie mais acentuada), e o franglês, especialmente de professores franceses com uma pronúncia, digamos, très intéressant.

Ainda vejo as decorações de Natal, Lille. Subo na roda gigante e deixo cair uma lágrima de pânico pela altura descomunal e pela estranha velocidade com que anda. Vejo-te a ti, iluminada e saudosa, ainda a cheirar a crêpe au chocolat e vinho quente. Vejo todos os colegas com quem convivi: os cinco portugueses que viviam comigo, os franceses, espanhóis, mexicanos, brasileiros, húngaros, ingleses. Vejo o Mundo.

E esta foi a tua beleza, foi o que me deste de melhor. Obrigada, Lille. Pelo enriquecimento pessoal e profissional, pelo novo contexto e cultura, pelos amigos (especialmente pelos amigos). Pela oportunidade de uma nova vida.

Até um dia, e brevemente.
Maggie

Ana Margarida Gonçalves
Mestrado Integrado em Psicologia – Universidade do Minho
Master 2 en Psychologie des processus neurocognitifs et sciences affectives – Université Lille 3