“Não sei por onde vou, Não sei para onde vou, Sei que não vou por aí!”
Verdade, justiça e felicidade. São coisas como estas que as pessoas procuram no dia a dia. No caso dos We Trust, de André Tentugal, o cenário é o mesmo. Há quatro anos gravou These New Countries, mais como uma memória discográfica do que propriamente como um cd para o mercado musical. Volta agora com Everyday Heroes, um disco que realça o facto dos heróis andarem nas ruas e não na internet, televisões ou revistas.
Há histórias do ‘diabo’. Quem diria que um realizador de cinema, videoclips ou spots publicitários viria um dia a ser músico? Quase ninguém. Nem o próprio André Tentugal tinha essas pretensões. Os We Trust nascem de uma necessidade da editora independente Meifumado pagar a André o videoclip dos Mind Da Gap.
These New Countries estava a ser gravado para um dia mais tarde ouvir numa tarde solarenga ou para mostrar aos filhos e netos. “Time (Better Not Stop)” fez com que os We Trust fugissem da mão de Tentugal. Chegou a todo o lado.
Apesar disso pouca gente sabe que a “Better Not Stop” é dos We Trust. Mas isso não interessa, o que importa é que as pessoas conheçam e gostem das músicas, nas palavras de André.
E por falar em pessoas.
Ainda há tempo para contemplar? Há tempo para parar e ver o que se passa a volta do ser humano? Quem são os nossos heróis?
A chamada de atenção para a desumanização das relações interpessoais, para as guerras competitivas de um mundo cada vez mais sedento de mais e mais dinheiro e de egos sobrevalorizados veio pelo single de estreia, “We Are The Ones”.
Esta pop épica e sinfónica tem a particularidade de contar com a colaboração da Orquestra Juvenil da ARTAVE. Não há surpresa nenhuma na qualidade performativa destes jovens. Mas é deveras surpreendente apostar num conjunto de pessoas tão novo para tocar canções que, do ponto de vista conceptual, são muito maduras.
Este conceito faz ainda mais sentido quando se ouve “Stars” e “The Future”. Quem escuta os primeiros minutos da primeira fica com a ideia de que os We Trust se renderam ao universo da pop comercial. Algo que até entristeceria os mais devotos fãs da banda. Qual quê? Os dois minutos finais são de arrepiar as peles menos sensíveis.
Ninguém fica indiferente a doçura e humildade das notas do piano Yamaha em que André compõe, enquanto olha sobre uma paisagem portuense de cortar a respiração. Stars termina com a voz de uma criança. Que tem tanto de medo como de superação.
“Why it’s so dark? In the beginning it is allways dark. And my first wish is…”
Numa declaração descarada entre a ansiedade e o sonho surge “The Future”. Sem qualquer pudor: o futuro são as crianças. São elas que têm a coragem e a utopia de mudar um mundo dominado pela incerteza, pela apatia e pelas constantes mudanças globais. Numa pop sem receio daquilo que é, o culminar da canção dá-se com uma bateria ao jeito de Blur (mais concretamente “Song 2”) e com as vozes alegres daqueles que são o melhor do mundo. Será que a bateria entra como apontamento à adolescência de André? Fica a dúvida.
A evolução natural de quem quis fazer um disco mais urbano, centrado naquilo que é o dia a dia das pessoas que vivem, passeiam e trabalhas nas cidades – mas que precisam de tempo para parar – aparece em “Wait Or Love”. Este registo mais eletrónico foi apresentado há uns meses atrás, em conjunto com “Feel It”.
“Feel It” conta a história de uma menina. Já “Wait Or Love” retrata a vida de um homem. A primeira é a ingenuidade, a simplicidade e a força de vontade misturadas numa só canção. A segunda, parte de um universo mais encoberto. A linha de sopros ajuda a construir este enredo que remete para a ‘vida adulta’. Os sintetizadores, que chegam bem no final, marcam o início do retrato das vidas reais.
“Caught Me Over”, “Autumn / Summer” e “Silent Song” são as tais vidas reais. E aquilo que o ser humano pode fazer com elas. Hinos para recomeçar do zero. Não rompem com o resto do universo pop mas não deixam ser interessantes. As duas primeiras aguçam o ouvido pelo timbre minimalista da voz. A terceira pelo lado cinematográfico que tem. E pelo brilhantismo da linha de cordas.
Contudo o momento mais alto do álbum está escondido na penúltima linha de Everyday Heroes. “Fading (Chapter One)” é o momento mais alto que a pop sinfónica alguma vez ouviu em Portugal. Sem uma única palavra, recorre ao imaginário do ouvinte para fazer história. São dois minutos e três segundos para serem escutados com auriculares, de olhos fechados e num ambiente de puro reencontro com o ‘eu’. É um momento orquestral que tem a capacidade de mudar vidas. É (sem dúvida) nestes lugares que a música cumpre a sua função.
“Goodbye” é a catharsis do disco. Um adeus à depressão. Um sorriso ao recomeço. Não é uma luz ao fundo do túnel. É mesmo o final do dito.
Resta saber: o que são os We Trust? Uma banda guiada por um homem que quer fazer da música o ponto de partida para algo maior. Everyday Heroes pode bem ser o ponto de partida para isso. Em entrevista, André Tentugal revelou que um dia gostava que os We Trust transcendessem as ondas sonoras para um movimento cultural mais amplo. A busca pelos heróis do dia a dia pode bem vir a ser o início disso mesmo. Sobre dicotomia amar e ser amado ainda faltava fazer duas perguntas: quem é o teu herói? E tu, és o herói de quem?