Alfredo Cunha: “Gostaria de presenciar outra revolução, mas não me parece que seja possível, para já”
Autor da emblemática fotografia de Salgueiro Maia, no dia 25 de Abril de 1974, Alfredo Cunha é, anualmente, recordado como o fotojornalista da revolução dos cravos. Reformado desde 2012, depois de trabalhar como editor fotográfico do Diário de Notícias, tem-se dedicado a projetos humanitários. Atualmente, está a desenvolver um projeto para a AMI. Numa entrevista, à margem das “Jornadas.com”, onde participou, ontem, Alfredo Cunha falou da sua vontade em assistir a uma nova mudança nacional.
ComUM: Como surgiu o gosto pela fotografia e pelo jornalismo?
Alfredo Cunha: O gosto pela fotografia é de família. O meu avô e o meu pai eram fotógrafos, e eu queria ser fotógrafo também. O jornalismo é uma forma de rebeldia, de fugir à tradição de família, que estava ligada à fotografia comercial. E, então, entrei no fotojornalismo.
O que pretende transmitir através das suas fotografias?
Eu sou um fotógrafo humanista e a minha maior preocupação são as pessoas. Eu pretendo transmitir aquilo que vejo, o meu tempo e, acima de tudo, a verdade.
A cobertura fotográfica do 25 de Abril foi um dos momentos mais marcantes da sua carreira. As fotografias que tirou retratam o seu olhar sobre o acontecimento?
As fotografias que tirei são exatamente o meu olhar e a minha visão, que hoje, provavelmente, não seria a mesma. Por outro lado, reconheço-me em muitas fotografias e acho que podia ter feito mais… Mas, também, só tinha 20 anos.
Tem alguma recordação especial desse dia?
Eu lembro-me sempre do Salgueiro Maia… De estar em frente a ele, a olhar… E, ele olhar para mim, e a piscar-me o olho. No final do dia, disse-me “já está”.
Das fotografias que tirou durante o dia da revolução, tem alguma preferida?
Tenho aquela fotografia em que se vê um polícia a “bater a pala” ao Salgueiro Maia. Essa é uma das minhas preferidas.
Se pudesse voltar atrás 41 anos, o que faria de diferente?
Tentava trabalhar um pouco mais, acho que trabalhei pouco.
O seu livro “Os Rapazes dos Tanques”, lançado em 2014, retrata as histórias mais marcantes do 25 de Abril?
Não, são símbolos representativos, porque estiveram cinco mil militares envolvidos no 25 de Abril. No livro, estão apenas 33. No fundo, são vencidos e vencedores. Depois, chegou-se à conclusão de que só houve vencedores, porque os vencidos colaboraram e alinharam no 25 de Abril. O que há são os militares de cavalaria.
Além do 25 de Abril, existe outro acontecimento que tenha marcado a sua carreira?
Existe um acontecimento que mudou a minha vida e que me impressionou muito. Foi a descolonização e a independência das nossas ex-colónias. Isso abalou muito as minhas convicções, porque eu era a favor da descolonização, a favor do fim da 2ª Guerra Colonial, e depois descobri que era a favor de outra maneira. Mas, foi a maneira possível.
O que é que ainda gostava de testemunhar fotograficamente?
Gostaria de presenciar outra revolução, mas não me parece que seja possível, para já. Pode acontecer um dia … Considero que há sempre espaço para uma revolução, porque depende tudo da quantidade de pessoas que não têm nada a perder. Quando a quantidade de pessoas que não têm nada a perder for maior do que aquelas que têm tudo, então aí acontecem revoluções. Nós estamos a caminhar para isso, e não digo isto de uma forma pessimista. É uma visão otimista! De facto, isto não pode continuar como está, alguma coisa tem de mudar.
Quais são as suas expetativas para o futuro?
As expetativas para o futuro são os meus trabalhos. Neste momento, estou a trabalhar com a AMI, a fazer jornalismo humanitário, e vou concretizar, pelo menos, mais três projetos com eles.


