O escritor norte-americano Paul Auster, de escrita inconfundível, lança, em 1980, a obra que mais sucesso lhe dá, “A Trilogia de Nova Iorque”. A sua riqueza é tão notável que, ainda hoje, o livro é lido e relido como sendo um clássico da literatura americana.
“A Trilogia de Nova Iorque” trata-se, então, de três contos que, à partida, nada têm em comum, no entanto, são como uma só narrativa. Em “Cidade de Vidro”, a primeira história, Quinn, um escritor desolado, recebe uma chamada telefónica que muda drasticamente o rumo da sua vida. Nesse telefonema, é confundido com um inspetor privado (Paul Auster, curiosamente o nome do autor) para resolver um crime inóspito. Estando Quinn desesperado por uma mudança na sua vida, arrisca e envolve-se de tal maneira que é levado à loucura e desespero total.
No segundo conto, “Fantasmas”, um detetive privado, desta vez verdadeiro, chamado Blue é contratado por White para vigiar Black. E assim o faz, durante meses, vigia sigilosamente a rotina sistemática e enfadonha de Black, chegando a um momento que se sente tão incluído nela que se esquece de si próprio. Tal como diz a certa altura, sente-se “vivendo a vida através da vida dos outros” (página 162).
“Quarto Fechado” é a última história e, talvez, a mais confusa e complexa. Mais uma vez, é retratada a história de um escritor/romancista, porém, deste desconhecemos o nome. Um dia, recebe uma carta da mulher (Sophie) do seu amigo de infância Fanshawe e descobre que este se encontra desaparecido. A partir daí, a personagem principal corre em busca do seu velho amigo, recordando o passado a partir de descrições de Fanshawe como um ser quase perfeito, revelando, assim, a sua inveja, veneração e obsessão pelo amigo desaparecido.
À primeira vista, parecem três histórias de crime regulares, contudo, um simples resumo delas é bastante superficial para descrever a tamanha genialidade de Auster. Todas estas histórias partilham certas características: o suspense, o mistério, o crime, o local – a mítica cidade Nova Iorque-, as personagens peculiares, o ambiente obscuro, o simbolismo (por exemplo, o misterioso caderno vermelho mencionado em todas as histórias), a linguagem fortemente descritiva e, claro, o seu final aberto e incerto. É como se os três contos fossem o mesmo, mas visto de perspetivas diferentes.
É de salientar a importância das várias referências simbólicas feitas pelo autor, tais como a obra D.Quixote, o emblemático Walt Witman e, também, as descrições exímias da vida e cultura americana, para a melhor compreensão e interiorização nas narrativas.
A capa do livro ilustra com exatidão o meu sentimento já a meio da leitura, como se estivesse “de pernas para o ar”. Os acontecimentos são dúbios, as personagens são problemáticas, solitárias, quase “doentes”. Apesar disso, toda a escrita sedutora de Auster faz-nos querer “devorar” cada conto. Talvez seja isso que me tenha feito gostar tanto desta trilogia, a descrição nua e crua da mesquinhez dos indivíduos e do ambiente aterrador das grandes cidades como NY. O autor retrata veemente a realidade, dando a característica satírica à obra.
Assim sendo, e depois de alguma divagação, recomendo esta bela obra a todos que admiram mistério e àqueles que não se contentam com livros de respostas dadas mas sim com os puxam pela reflexão, como é o caso deste. Uma leitura basta para o adorar, todavia, são precisas outras mais para uma melhor compreensão, dada à sua complexidade e inúmeros pormenores.
“A Trilogia de Nova Iorque”
Paul Auster
Sun and Moon Press
1985 e 1986