Foi Diogo Piçarra quem subiu ao palco na última noite da Receção ao Caloiro ’15, fazendo tremer o Pavilhão Multiusos de Guimarães do início ao fim. Em conversa ao ComUM, o artista algarvio recuou no tempo e fez promessas para o futuro.

O que é que guardas dos tempos dos “Fora da Bóia”?

Os “Fora da Bóia”… (risos) guardo a escola da vida. Acho que foi muito importante para mim porque tocamos em bares, em casas de banho, em quintais, em todo o sítio que possas imaginar. Levamos com cerveja, entravam ciganos no palco, empurravam-nos e caía tudo. Foi uma escola da vida que hoje em dia forma quem eu sou.

Se hoje acontecer alguma coisa em palco, vou reagir de maneira diferente porque já passei por tudo com os “Fora da Bóia”. Foi, mais que tudo, o início. Foi nos “Fora da Bóia” que comecei a tocar e a compor, porque era eu que escrevia as músicas para a banda e foi aí que comecei a descobrir a minha veia de autor que até então não sabia que tinha. Eu era autor, compositor, diretor artístico. Tocávamos ao vivo, pelo que a minha primeira vez foi com tenra idade. Éramos putos em cima do palco sem editora, sem nada. É sempre bom ter essa experiência. Dá-nos calo, estaleca e dá-nos, também, um pouco de humildade quando depois nos deparamos com centenas ou milhares de pessoas à nossa frente.

Que mais valias te trouxe terminar o curso de Línguas e Comunicação na República Checa, visto que a maior parte do público hoje presente na Receção ao Caloiro se encontra no ensino superior?

Esse foi mesmo o ponto de viragem da minha vida! Eu queria muito acabar o curso fora do país e lembro-me de avisar a minha mãe repentinamente e ela entendeu que eu precisava desse tempo e só disse “Está bem filho, podes ir à vontade” (risos). Foi muito estranho, nunca pensei que os meus  pais me iriam deixar. Era a primeira vez que andava de avião, era até a primeira vez que eu saía do Algarve. Para mim foi uma experiência ótima porque estava sozinho. Não sabia checo, não falavam inglês lá, então tive de aprender frases básicas como pedir fiambre e queijo num supermercado. Essa foi a altura em que os “Fora da Bóia” acabaram. Eu quis estudar lá fora e eles ameaçaram-me: “ou ficas ou vais”. Eu disse que queria ir viver a vida! Eles continuaram com a banda mas não aguentaram muito tempo e eu a partir daí fiquei livre. Comecei a pensar nas minhas músicas, num projeto a solo, desenhavas capas de discos, e quando voltei para Portugal lancei tudo o que tinha. A República Checa foi quase como um retiro.

Qual é a sensação de apresentares o teu álbum “Espelho” na Receção ao Caloiro da Universidade do Minho?

Foi ótimo porque, em primeiro lugar, foi a minha primeira vez aqui em Guimarães e também foi a primeira Receção ao Caloiro este ano. Foi tudo pela primeira vez e teve tudo para ser especial.  Confesso que não estava à espera de um público assim tão caloroso. Estava à espera que toda a gente estivesse ainda nos bares, nos cafés, a beber e a aquecer.  Quando entrei em palco, vi aquela multidão imensa e acabar assim em grande com a “Tu e eu” também me encheu o coração. Saio daqui muito feliz, satisfeito e espero voltar, provavelmente, noutro evento diferente. Para o ano ou com um novo disco.

Cinco milhões de visualizações no Youtube com a canção “Tu e eu” é um esforço recompensado ou um sonho tornado realidade?

As duas coisas. É o esforço recompensado depois de tantos anos a tentar, seja com a banda, sozinho ou a fazer covers e vídeos.  Agora com os originais, é sempre bom e, acima de tudo, uma surpresa porque ninguém espera que as pessoas cantem as nossas músicas, que seja um sucesso. Ouvimos as músicas no estúdio, gostamos e pensamos “bem, isto vai ser bom!” mas é impossível de imaginar que vai ter milhões de visualizações, que as pessoas vão cantar nos concertos como aconteceu esta noite. É uma sensação única e especial saber que aquelas palavras que escrevemos no papel de repente estão a sair da boca daquelas pessoas. Isso é ótimo, é mesmo muito bom!

Teres um álbum com músicas escritas por ti é sinónimo de orgulho quanto ao cunho pessoal que transpareces no teu trabalho?

É sinónimo de orgulho, sem dúvida. Orgulho-me também em ser teimoso sabes? Podia ter ido por um caminho mais fácil, oferecer um álbum de covers ou de versões só que isso é o que eu já faço no Youtube. Oferecer músicas já feitas, mais Pop, mais Disney, mais mágico… eu não me identificava com isso. Eu acho que sei escrever, por isso, dei uma oportunidade a mim mesmo porque se tiver sucesso a responsabilidade é minha, se não tiver a responsabilidade é minha na mesma.  De qualquer das maneiras, sou eu que dou a cara e isso é um motivo de orgulho porque eu batalhei para ser eu a cara deste projeto! Eu acho que nem faria sentido de outra maneira. Se é “Diogo Piçarra”, sejam as músicas boas ou más, têm de ser minhas. Por isso sim, é mesmo um sentimento de orgulho!

É significativo para ti escreveres e cantares em português?

É! Foi em português que escrevi a minha primeira letra, as bandas que ouvia quando era mais novo eram portuguesas como os Ornatos Violeta, Super Nada, Pluto. Para mim era um objetivo cantar em português mas de uma maneira diferente do Rui Veloso, Perfume, fugir um bocadinho ao Pop e às músicas de novela. É engraçado porque eu nunca esperaria que as minhas músicas fossem adaptadas a novelas porque eu não as considero músicas de novela sabes? (risos). Além disso, é mais fácil escrever em português. Quando escrevo em inglês sai tudo muito plástico, fico sempre com a sensação que estou a escrever algo que ouvi noutras bandas. “I love you” sai muito facilmente. Escrever em português é um bocadinho mais difícil. É como escrever um poema mais musical. Tem muito mais sentimento e acho que toca muito mais facilmente e profundamente as pessoas.

“Eu só quero ser alguém que te conquiste sem segredos ou receios, quero que tudo, que seja tudo verdadeiro”. É esta a relação que desejas ter com o teu público?

É a relação que eu quero ter com o meu público e com a minha vida. É a música que melhor define a minha postura e a minha forma de viver. Escrevi essa música numa fase mais difícil da minha vida em que eu não era aceite. As pessoas que me rodeavam achavam que as minhas músicas não eram suficientes e eu, um pouco revoltado, escrevi essa música porque queria que tudo fosse verdadeiro e sincero. Era mesmo isso que eu queria:  tentar ser alguém que eles não queriam ver. Queria ser alguém especial e diferente e marcar a minha posição. É claro que quero transmitir esta mensagem para o público para que façam tudo sincero, da maneira mais coerente e verdadeira possível.

Para finalizar, “se o amor te deixar, a terra desabar e o tempo te mudar”… Vais estar sempre aqui Diogo Piçarra?

Hum… (Risos). Eu escrevi isso, devia dizer que sim não é? Não, eu acho mesmo que sim. Respondendo à tua pergunta: se o brilho acabar, e mesmo que a voz se acabe, eu vou estar sempre aqui, sim! Mesmo que eu não tenha voz para cantar eu acho que vou sempre compor, vou estar sempre a pensar em música. A música vai ter sempre um lugar especial na minha vida. Eu espero que a música seja sempre a minha principal atividade, por isso, a minha única promessa é que irei estar sempre aqui seja nos bastidores, como artista principal ou a solo. Eu vou estar sempre aqui. Espero eu estar sempre aqui!