O predecessor de Soul Reaver, Blood Omen: Legacy of Kain, foi desenvolvido pela Silicon Knights em parceria com a Crystal Dynamics, mas, como é frequente nos negócios, zangaram-se as comadres. Depois de uma disputa legal entre as duas empresas, chegou-se a um acordo em 1997 e a Crystal Dynamics ficou com os direitos da franchise.
Dois anos depois é lançado Soul Reaver. Os acontecimentos que descrevi acima, juntamente com os planos excessivamente ambiciosos para o jogo, são apenas alguns dos responsáveis pelo estado em que este foi lançado: incompleto! Temos um fim em aberto, personagens cortadas do jogo sem qualquer explicação, elementos presentes no jogo que parecem não estar propriamente bem integrados na experiência e até mesmo áreas que estão consideravelmente subdesenvolvidas. Mas, ainda assim, Soul Reaver é indiscutivelmente uma obra-prima! Afinal de contas, nenhuma destas falhas é perceptível se não soubermos o que procurar. Até mesmo o fim em aberto parece que foi planeado!
Amy Hennig (que, anos mais tarde, foi a directora criativa da trilogia Uncharted) e a sua equipa fizeram um trabalho exímio a circundar os problemas com que se depararam, particularmente a nível da narrativa. A história do jogo foi trabalhada de maneira a criar uma sensação de mistério em quem o joga, uma sensação de querer respostas a perguntas que nem se sabe bem quais são. E, assim, o material que a equipa foi forçada a cortar acabou por se transformar nas sementes de uma saga ímpar no mundo dos videojogos. A história da série Legacy of Kain teria sem dúvida sofrido muito se Soul Reaver tivesse sido lançado como planeado.
O impacto do jogo pouco diminui com os seus 16 anos de idade. Demoramos um pouco a reabituarmo-nos ao seu sistema de controlo arcaico (afinal, o jogo é de uma altura em que os comandos analógicos ainda não eram particularmente populares) e, obviamente, os gráficos sofreram consideravelmente com o tempo. É, porém, na atmosfera que o jogo brilha e todos os seus elementos trabalham em conjunto para o construir — mas o trabalho de voz merece particular relevo. O cast reunido para dar voz às personagens de Soul Reaver é de uma qualidade rara ainda para os dias de hoje!
Tecnicamente, Soul Reaver é um jogo de ação-aventura, mas sempre preferi olhar para ele com uma espécie de puzzler disfarçado. A exploração e o combate são partes importantes do jogo, mas nunca se limitam a button-mashing ou a seguir um caminho óbvio: até mesmo o inimigo mais fraco se pode tornar imbatível se o jogador não tiver planeado correctamente a sua estratégia. Mas aqui a morte não é um problema e sim mais uma ferramenta. Raziel, o nosso protagonista, é um espectro com a capacidade de tomar uma forma física e efectivamente imortal. Quando Raziel muda de forma, o próprio mundo muda com ele: plataformas fora de alcance passam a estar a um salto de distância; a água, que destrói a forma física de Raziel, fica tão imaterial como o ar.
Um jogo que nos força a pensar, tanto na sua história como nos seus muitos enigmas, Legacy of Kain: Soul Reaver é uma pérola esquecida que vale a pena relembrar.
Legacy of Kain: Soul Reaver
Produtora: Crystal Dynamics
Editora: Eidos Interactive (atualmente Square Enix Europe)
Plataformas: Playstation, Windows, Dreamcast, PSN (PS3, PSP, PS Vita, Playstation TV).
Data de Lançamento: 16 de agosto de 1999