A jornalista bielorussa Svetlana Alexievitch foi nomeada, no mês passado, a mais recente vencedora do prémio Nobel da Literatura, sendo a primeira da sua nacionalidade e apenas a 14ª mulher a ser agraciada com a condecoração.

O seu livro mais recente, “O Fim do Homem Soviético”, foi publicado no ano de 2013 e foi o culminar de todo um brilhante trabalho sobre a União Soviética. A obra é um conjunto de relatos de pessoas de diferentes países e posições sociais do extinto regime. Mas estará mesmo extinto? O socialismo soviético, que mudou o mundo desde 1917 até 1990, terá mesmo desaparecido com a fragmentação do outrora grandioso império? A história revela um mapa completamente partido, mas como Alexievitch nos conta, muito do povo soviético continua a sonhar com o regresso da antiga URSS.

Somos confrontados com duras realidades passadas no tempo de Estaline durante a II Guerra Mundial e também nos campos de trabalhos na Sibéria. Várias testemunhas dão o seu contributo à história, desde prisioneiros, às famílias dos homens que sofreram castigos brutais e que morreram de forma inglória, até aos jovens que vivem felizes com o fim do regime e o nascer de uma nova era. Mas as personagens mais curiosas são os veteranos da guerra, que passaram por este período negro, e que querem de volta o regime que os silenciou durante décadas. Mas porquê?

Foto: fundacionlengua.com

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E eles respondem-nos: mudamos para melhor? Pelos olhos do Ocidente, vemos uma Rússia sobre políticas capitalistas, rica e poderosa na comunidade internacional, e uma das maiores exportadoras de gás natural e petróleo no mundo. Mas, mais uma vez, Alexievitch abre-nos os olhos para a verdadeira Rússia: uma população que passou o início dos anos 90 com comida racionada, através de senhas, arrependendo-se de todo o apoio que deu a Gorbatchov e Boris Ieltsin. Em Moscovo, Ludmila Malikova, conta-nos todas as dificuldades dos anos 90, incluindo as constantes mudanças, as dormidas em estações de comboios, e a fome passada durante as viagens em busca de emprego e lar. O clamor dado à “perestroika” rapidamente se desvaneceu. Dizem que os jovens “trocaram o socialismo por bananas, por pastilhas elásticas”.

Os relatos nas restantes repúblicas são também eles chocantes, exemplificados pelo Azerbaijão e pela Arménia, que de um momento para o outro se tornaram inimigos, matando-se nas ruas e nos campos. A história de Margarita, uma refugiada arménia, esposa de um azeri, dá-nos uma imagem bem clara e forte das violações, dos assassínios em massa (“pogrom”), da ostracização e da discriminação.

O objectivo do livro é excepcionalmente cumprido: vejo-me bem mais esclarecido quanto à história da União Soviética, a “perestroika”, e a dissolução daquele que já foi o país mais avançado do planeta. Mas Svetlana Alexievitch mostra-nos uma transição violenta e abrupta para o mundo capitalista, que nos faz questionar, do ponto de vista do povo, se a mudança foi assim tão pedida quanto isso.

Uma leitura clarividente, e de uma escrita extremamente recomendada.