Há cinco anos que a cidade de Braga é invadida pela vanguarda da música eletrónica, num festival que é feito de toda uma linguagem que exprime aquilo que é o mundo das artes digitais. O Semibreve tem vindo a afirmar-se como um projeto atual mas, acima de tudo visionário, se pensarmos em toda a sua evolução e nos cartazes anteriores, todos eles coerentes, tendo sempre presentes nomes que vieram, mais tarde, a afirmar-se na cena eletrónica nacional e internacional.
Pode começar-se por falar dos diferentes espaços do festival – cada um proporcionando diferentes tipos de experiências – desde as conversas na Centésima Página, às instalações espalhadas no Theatro Circo, a performances contemporâneas a encherem a sala principal de um theatro centenário. É ainda importante pensar-se no facto de o Semibreve nos parecer, muitas vezes, um festival feito de contradições – o próprio desenho clássico da sala principal do festival a contrastar com a música eletrónica e destorcida que compõe a programação do festival. O irónico é ser muito fácil concluir que, na cidade de Braga, tanto pelo espaço como pela acústica, não existe um espaço melhor para acolher este festival.
O primeiro dia da quinta edição do festival arrancou com o experimentalista Roedellius que, com os seus convidados, nos embalou numa viagem melancólica, envolvida entre projeções e sonoridades ambientais – atmosfera ideal para abrir portas à dupla Dopplereffekt que, vindos de Detroit, não podiam fugir a uma eletrónica industrial. Dopplereffekt levaram-nos para uma espécie de hiato daquilo que é o processo mecânico, sons e projeções padronizadas, que se foram repetindo, num loop que quase pareceu interminável. Na blackbox do GNRation, esperava-se um momento mais dançável, clima ideal para o house do inglês Heatsick, que, acompanhado por uma mesa que nos pareceu reduzida, fez o público mexer ao som dos seus loops, até o cansar com a repetição. O primeiro dia de festival fechou com Luke Abbott que, tendo em mãos um sintetizador e um modelador (apenas), conseguiu converter a blackbox numa pista de dança, com uma eletrónica progressiva feita de ritmos minimalistas.
Sábado, segundo dia de festival, começou com a notícia do cancelamento de Tim Hecker, um dos nomes mais apelativos do cartaz do festival. No entanto, quase contra as odes, o Semibreve não deixou de surpreender, com as atuações de Vessel e de Powel. Klara Lewis abriu o Grande Auditório do Theatro Circo – de referir que uma artista programada para uma sala com metade do tamanho, conseguiu encaixar-se perfeitamente no grande auditório, com a sua vertente eletrónica mais experimental, menos mexida, mais ambiental mas não menos transcendente. Experiência que ultrapassou o limiar da transcendência foi a performance de Vessel – o noise, drone, dub ou o que quer que lhe prefiram chamar, junto com as projeções de Pedro Maia que foram roçando o sádico, dividiram a nossa atenção – ora nas projeções, ora no corpo nu do artista, que acabou por funcionar como um elo de ligação entre a música e o visual. A linguagem pesada de Vessel e Pedro Maia levou-nos a sensações quase que masoquistas – o noise limpo do artista testou a qualidade acústica do espaço mais que qualquer outro artista presente na edição de 2015 e a sala não podia ter respondido melhor.
Foi Peder Mannerfelt quem abriu o segundo dia no GNRation – entrados na sala, deparamo-nos com um cenário sádico, um artista com uma peruca ao contrário, ritmos fortes e maximalistas. Acompanhado apenas pelo seu Macbook e um modelador, o artista terminou a sua performance da mesma forma que a começou – à bruta, fechando o computador como que dando um grito de revolta. A fechar o dia, tivemos Powell, com uma atuação energética marcada pelo techno cru/no wave a que já nos tem habituado – assistimos aqui a uma hora em que o público dançou desenfreadamente, violando as regras e acendendo cigarros na blackbox (seguindo o exemplo do artista), que manteve sempre uma interação incrível com o público, mostrando que estava a fazer música não só para nós, mas para ele próprio também.
No último dia de festival, começamos por assistir a Oren Ambarchi, artista conceituado e respeitado graças ao seu percurso, que nos presenteou com uma performance analógica, onde explorou a distorção da sua guitarra de uma forma progressiva – começou por nos envolver, mas rapidamente se tornou maçador, talvez devido à falta de elementos visuais ou à vontade de ver Takami Nakamoto. Este último, acompanhado pelo baterista Sebastien Benoits, conseguiu trazer ao festival a energia que faltava. Assim que as cortinas se levantaram, sentiu-se no público a irritação trazida pelo facto de se tratar de uma sala sentada – viveu-se o limbo de respeitar a dinâmica da sala e de querer ir para a frente dançar. No final de contas, ninguém se levantou se não para aplaudir, no final. A performance de Nakamoto foi também uma das melhores no que concerne ao stage design e ao show de luzes, trabalhados sobretudo pelos ritmos fortes da atuação.
A quinta edição do festival Semibreve foi, acima de tudo, breve – soube-nos a muito mas, no final de contas, soube-nos a pouco. Chegamos a domingo com vontade de mais festivais assim, que crescem sem burburinho e nos surpreendem com uma programação que quase não deu espaço para crítica. Com um papel cada vez mais forte no panorama dos festivais portugueses, espera-se uma sexta edição ao nível das últimas cinco.
Fotografias: ‘Há Festa No Largo!’
(O ‘ComUM’ agradece redação da presente crónica, com a autoria especial de Filipa Henriques, editora da secção de Cultura nos anos de 2010 e de 2011.)