Gonzalo Torrente Ballester foi um escritor marcante da literatura espanhola e europeia. São dele obras inolvidáveis como "A crónica do Rei Pasmado" ou "Os prazeres e as sombras". "O Casamento de Chon Recalde" é um dos seus últimos livros mas, não por isso, menor que os anteriores.

O enredo tem lugar em Vilarreal del Mar, cidade inventada pelo autor, localizada algures em Espanha, em tempo da Segunda Guerra Mundial, mais precisamente, nos anos quarenta, apesar de nunca referido explicitamente, deixando ao leitor a possibilidade de subentendê-lo. Ballester conta-nos a vida de duas jovens, Cristina e Chon Recalde, que acabam de passar por uma situação traumática: o seu pai, capitão-de-mar-e-guerra, é fuzilado injustamente pelos franquistas e, logo de seguida, a sua mãe morre de um ataque de coração. Estas duas raparigas, muito diferentes, voltam à sua cidade-natal, Vilarreal, para tentar refazer as suas vidas. Apesar da sua posição social relativamente importante, por serem filhas de um capitão-de-mar-e-guerra e netas de avôs almirantes, Cristina e Chon não eram bem vistas pela população, sobretudo pelas mulheres que as olham com desdém e inveja.

A obra tem como subtítulo “Romance quase cor-de-rosa”, o que pode induzir o leitor a pensar que se trata de mais uma história de amor. De facto, as personagens principais desta narrativa são as mulheres. Umas, competitivas, sempre de olho nas outras e nos homens com quem vão de braço dado, como Pauliña; e outras, independentes e decididas, como as irmãs Recalde. Outro aspeto a ter em conta nesta obra é o retrato de uma sociedade fútil projetada na banalidade das conversas tidas em simples eventos – jantares, chás ou cafés – e que, nas palavras do autor “duravam mais de uma semana, até que, pouco a pouco, a merenda foi caindo no esquecimento e voltaram os dias iguais uns aos outros”. Uma, das muitas, provas da mente fechada desta sociedade é um acontecimento que a escandaliza e que leva a uma alteração drástica no percurso da história, visto que a virgindade é, ainda, encarada como “algo sagrado” que pauta a pureza de uma mulher.

Gonzalo Torrente Ballester. Foto: www.jotdown.es

Gonzalo Torrente Ballester. Foto: www.jotdown.es

No entanto, esta possível conotação de obra “cor-de-rosa” não é sinónimo de encontros e desencontros amorosos. Aliás, é evidente a sátira e ironia de Gonzalo face a uma população relativamente atrasada, numa época difícil, mas em que a mulher vai ganhando cada vez mais relevância, não só pela ausência do homem, mas pela tomada de consciência da importância do seu papel.

De leitura acessível, porém de grande qualidade, recomendo O Casamento de Chon Recalde a todos os amantes de livros parcos em palavras mas ricos em mensagens, bem como outras obras de Ballester que, de certeza, darão, a quem as ler, uma sobreposição de emoções estimulantes.