«A princípio é simples, anda-se sozinho, passa-se nas ruas bem devagarinho. Está-se bem no silêncio e no burburinho. Bebe-se as certezas num copo de vinho». Mas, de vinho, passamos para cerveja, não estivesse eu na Alemanha.

O acto de embarcar envolve um manto de coragem. Esta, por sua vez, acompanha-nos e é constantemente solicitada perante as situações com que nos vemos deparando. É nessas situações que nos apercebemos de que estamos longe da nossa zona de conforto e que, façamos o que fizermos, nada vai mudar isso nos tempos seguintes. Fazer Erasmus envolve tudo isso: o embarcar, o enfrentar situações complicadas, o lidar perante a ausência da zona de conforto, o ter testes à nossa capacidade de resposta.

No dia 29 de Setembro de 2015, à saída do avião no aeroporto de Frankfurt, aconteceu aquilo que eu já sabia que aconteceria ali e naquele momento: caiu-me a ficha. Senti, pela primeira vez e naquele que era o primeiro de muitos dias, o ar fresco alemão a bater na cara. E ouvi alguém, de cuja voz não me lembro, a dizer “Eis-te aqui!” — também em alemão, claro, antecipando o que me esperaria nos meses seguintes.

As aulas começaram apenas no dia 26 de Outubro. Do dia 1 ao 23, os alunos estrangeiros estiveram num programa de orientação, que incluía visita a algumas cidades perto de Trier e aulas de alemão diariamente. Foi quando as aulas propriamente ditas começaram que as maiores dificuldades surgiram. Numa língua estrangeira, há uma diferença enorme entre a que se fala no dia-a-dia (num supermercado, entre amigos, na rua) da que se fala numa sala de aula. Apercebi-me disso da pior forma. Ou melhor, da forma mais… desafiante. Foi aqui que tive de me socorrer daquele manto e fazer frente à tarefa de compreender e fazer-me compreender sempre em alemão. Mas, das conversas que tinha com outros alunos estrangeiros, via que não era o único — e quem é que não fica mais aliviado quando vê que outros estão na mesma situação?

Além disto, era o único aluno português nesta universidade, o que dificulta sempre um pouco a integração, tendo em conta que havia grupos enormes de espanhóis e italianos, por exemplo.

«Enfim duma escolha faz-se um desafio. Enfrenta-se a vida de fio a pavio, navega-se sem mar, sem vela ou navio. Bebe-se a coragem até dum copo vazio».

Trier é uma cidade pequena, com cerca de 100 mil habitantes e em muitos aspectos semelhante a Braga. Apesar do tamanho, tem imensos bares, cafés e espaços comerciais muito variados. No Natal, o destaque claro que vai para o Mercado de Natal, uma tradição em toda a Alemanha. Pude manter alguns hábitos que sempre tive em Portugal, como ir à missa todos os domingos.

Apesar do tamanho modesto, a cidade decidiu acolher alguns refugiados oriundos de África e do Médio Oriente. Muitos deles chegaram em Novembro e Dezembro e vi-os chegar à cidade. Estamos habituados a ver estas pessoas apenas através da televisão e dos jornais. Vê-los — vê-los realmente, à nossa frente — e poder testemunhar a aflição de tantos adultos e crianças é diferente. Muito diferente. Há uma desorientação e tristeza que o ecrã ou a tinta, pese embora esclarecedores, não conseguem evidenciar totalmente.

Como se sabe, fazer Erasmus também é sinónimo de viajar, de preferência a preços baixos. Como no centro da Europa, Frankfurt é uma cidade equidistante a muitas outras, melhor ainda quando servida por companhias de baixo custo. Estive em sítios onde, apenas algumas semanas antes, jamais imaginaria que estivesse.

O ensino universitário na Alemanha difere do português. Desde logo, na Alemanha não se paga propinas desde 2014 (e pagava-se apenas desde 2007), sejam os estudantes nacionais ou internacionais. As aulas assumem também uma tipologia diferente, diferenciando-se entre palestra, seminário, prática e tutorial (e isto tem muita importância quando um aluno local escolhe as disciplinas), ao passo que nós apenas distinguimos entre teórica e prática.

Estar afastado dos amigos e da família por um longo período é, provavelmente, um dos maiores desafios — porventura o maior. O problema não está apenas nesse provação, mas também em lidar com aquilo que ela, por inerência, traz: a saudade. E falo aqui na voz de todos aqueles que fazem Erasmus. Porém, o que tem a saudade de mau pode ser aquilo que, também ela, tem de bom. A rotina que, antes de embarcarmos, temos estabelecida com a nossa família e amigos quebra-se durante algum tempo. É quando a retomamos, à chegada, que vemos quão importante afinal ela era. Isto é, o quão importante a nossa família e os nossos amigos são. Essa percepção é um dos aspectos mais positivos que estes meses me trouxeram.

Não cabem nestas linhas todas as razões pelas quais Erasmus é bom. Cabe, espero eu, a evidência do sentimento de que falei linhas acima: a saudade. Também cabe, e desejo mesmo que extravase este texto, a experiência ganha com o saber-fazer, com o saber-viver e, simplesmente, com o saber que, mais do que adquirido, é conquistado ao longo destes tempos. Tempos que, como bons, passam rápido.

«Entretanto o tempo fez cinza da brasa. Outra maré cheia virá da maré vaza. Nasce um novo dia e no braço outra asa. Brinda-se aos amores com o vinho da casa».

Não sei de quem era a voz que, à chegada, me disse “Eis-te aqui!”. Mas se um dia eu puder assumir essa voz e dirigi-la a alguém que queira fazer Erasmus, dir-lhe-ei isso mesmo: “Embarca. E vive”.