Professor de artes e pintor distinguido com vários prémios, Ricardo Miranda considera-se mais investigador do que retratista. O artista plástico apresentou na Casa das Artes, em Vila Nova de Famalicão, no passado dia 4 de dezembro, a sua mais recente exposição. “A repulsa” conta com uma série de quadros que retratam, segundo o artista, a desconfiança que sentimos hoje em dia.

Imagem1ComUM – Como surgiu a vontade de pintar?

Ricardo Miranda – A vontade de pintar não me surgiu. Foi mais uma necessidade de me expressar. Uma das expressões que aconteceu com naturalidade foi o traço. Como muitos autores dizem, eu não sei quando ou porque é que comecei a pintar. Acabou por surgir com o querer comunicar o que sentia. Foi a minha vocação.

ComUM: O que pretende comunicar com a exposição “A repulsa”?

RM: Esta exposição, “A repulsa”, é um confronto com nós mesmos, principalmente no tempo em que vivemos porque existe uma maior desconfiança. Esta expressão de repulsa é algo que nos ocorre várias vezes sem nos apercebermos. Uma das tentativas para não ser agressivo foi trabalhar a partir da cor e tentar retirar do observador um sorriso.

ComUM: O que é que o inspira?

RM: Todos nós. Tudo o que nos rodeia. Não há um objeto em concreto. Eu tenho uma curiosidade no Homem, no seu comportamento, em tudo o que o envolve. De certa forma, o Homem é pragmático e eu sou investigador e não um retratista. É assim que me vem a inspiração.

ComUM: Qual foi o trabalho que mais gostou de fazer e porquê?

RM: Nós acabamos por gostar de todos. São como filhos. Quando são coisas criadas por nós, que não existem e que são materializadas, acabamos sempre por deixar um pouco de nós. Mas há um projeto que eu desenvolvi há uns anos atrás sobre a relação entre o Homem e o cão que destaco. Não só transformamos o cão para nosso bem, para nos servir, como também o cão nos transforma, sem nos apercebermos, principalmente no que toca a algumas reações que temos semelhantes às deles.

“Quando são coisas criadas por nós, que não existem e que são materializadas, acabamos sempre por deixar um pouco de nós”.

ComUM: Da exposição “A repulsa”, qual o trabalho que salientaria?

RM: Eu gosto de todos. A única diferença foi o facto de ter sido a primeira vez que fiz um autorretrato, pelo que é algo único no meu trabalho. Revejo-me na posição da desconfiança e da repulsa.

ComUM: Baseou-se nos acontecimentos da realidade para construir os seus quadros?

RM: Sim, são retratos do que está a acontecer. Ao mesmo tempo que, com os meios informáticos nos tentamos aproximar uns dos outros e somos todos amigos, no confronto direto queremos sempre criar um espaço, o que é irónico.

ComUM: Conseguiria inserir este trabalho em alguma corrente artística?

RM: Hoje já não existe uma barreira entre correntes. Mas se tivesse que colocar um rótulo à técnica, talvez seja uma tentativa neoexpressionista.

ComUM: Como se sente perante a quantidade de prémios com que foi destacado?

RM: É sempre bom. Todos nós temos um ego e esse ego tem de ser alimentado, desde que não seja em demasia. Quando uma pessoa recebe um prémio, sente-se reconhecida pelo trabalho, sente-se bem.

ComUM: Tem em mente algum projeto para o futuro?

RM: Sim, tenho. Quero continuar esta temática. A ideia de repulsa é muito vaga e há muito por onde se explorar. Desafiar-me a mim mesmo e passar esta repulsa sem ser tão direto é algo a pensar.

Maria João Costa

Fotografias de Adriana Dias