Da música clássica ao rock psicadélico, tudo se ouve na Rua do Anjo. Anjo que tem nome de deusa romana, mas que não vive do contraditório.

Um candeeiro ilumina, à noite, a porta 49 daquela rua estreita e os cartazes nas paredes marcam os “anjos” da música que por lá já passaram. Um edifício que não diz muito sobre o que se pode encontrar lá dentro, mas que sabe a antigo e preserva um pouco daquilo que foi uma casa de habitação.

No segundo andar, a luz do dia bate nas estátuas do balcão que, feitas de mármore, brilham. Reflete-se também na mesa de mistura, nas molduras de uma exposição com fotografias dos anos 80 e nas cadeiras ainda vazias numa tarde de segunda-feira. O Juno ainda está a acordar.

Juno é também o nome de um filme de Jason Reitman, de um sintetizador vintage da Roland e até de uma sonda espacial. Mas neste caso falamos de um café-bar que ganha vida no centro histórico de Braga. Deus de um fado maior que começa a tarde com bossa nova para acabar no “improvável” às quatro da manhã.

O que podia ter sido. O que é.

“Primeiro pensámos em abrir uma galeria ou outra coisa, mas não era rentável”, diz Alexandre Cristóvão, um dos sócios do Juno. É das primeiras frases que sai da sua boca quando fala do espaço. Um café-bar que nasce da vontade de Alexandre, João Gomes e Paulo Garcia em fazer mais pela arte e pela cultura em Braga.

Em 2012, os três arrastaram mobílias e arrancaram portas que fazem, hoje, de balcão. Pintaram paredes e assim foram construindo um novo espaço cultural na cidade. Não se trata de “vender copos”, como diz João. No Juno respira-se música e sente-se a arte.

O nome surgiu através de um grupo criado na internet “com uma montanha de amigos”, conta Alexandre. Depois de seis meses, Juno ficou e Juno continua. E foi criado um carimbo que permanece. Da porta 49 para dentro entram pessoas dos mais variados estilos, por diversos propósitos, mas com uma razão comum: o Juno é para todos.

Da garagem para a cave

“Queríamos um espaço que fosse diferente dos outros que já existiam na cidade “, acrescenta João Gomes. Não há fórmulas secretas para suportar um café. Sobretudo quando se fala de um café que é bar, mas também galeria ou até espaço para feiras. “Precisávamos de algum negócio que sustentasse as atividades culturais que não são obviamente lucrativas”, diz Alexandre.

Entre o bar e a galeria há lugar para mais. Juno é “um espaço para as bandas saírem da garagem e virem para o espaço público mostrar o que andam a fazer”, explica João. Por lá já passaram Jibóia, Dream Weapon, Um Zero Amarelo e Murdock’s Murder.

O pessoal do punk é o mais “leal”, continua João Gomes. Mas o Juno não tem preferidos. Aí, entre a cave e os sofás rasgados do segundo andar, ouvem-se melodias de jazz, batidas de rock, cânticos do metal ou críticas de hip hop.

A casa de muita gente

“Nunca se sabe o que vai acontecer. As pessoas podem chegar aqui e estar uma reunião de LGBT lá em baixo, um concerto de ópera ou um dj tecno”, explica João Gomes. Por isso, chama a este espaço “improvável”. E reforça que por aqui já se passaram situações ímpares: shows de transformismo, danças chinesas e até uma performance em seminu.

João Gomes acrescenta que “este sítio não tem estilo. Não é punk, não é eletrónica, não é rock. É tudo isso junto”. Da velha casa abandonada sem nome, nasceu o Juno, a “casa de muita gente”, remata. As alcatifas, os bibelôs, as camas e as televisões, de que se recorda Alexandre Cristóvão, deram lugar a cadeiras que são preenchidas todas as noites.

Às quatro da manhã o Juno dorme. O candeeiro da entrada vai dizendo que ali está um deus a preparar não se sabe bem o quê e para quem, mas que promete acordar no dia seguinte, porque, como João diz, “o Homem sem cultura fica cinzento”.