João Tordo acaba 2015 com o segundo romance num ano: "O Paraíso Segundo Lars D."
2015 terminou há uns meses, e recordamos um dos melhores autores da literatura portuguesa, João Tordo, que o ano passado trouxe-nos dois livros de uma trilogia sem nome. O segundo livro, “O Paraíso Segundo Lars D.”, publicado em Novembro, volta a pegar na personagem do escritor sexagenário Lars D., lançado na obra anterior “O luto de Elias Gro”, e com ele visitamos todo um mundo de tristeza e mágoa, embelezado pela escrita de João Tordo.
A história da trilogia não tem uma cronologia exacta, tal como afirmou o próprio autor, e isso é notório dentro deste romance. A narrativa salta entre Lars e a sua mulher, cada um relatando a sua versão da vida triste e solitária que o velho escritor sempre negou, revivendo os episódios de uma existência simples e isolada do mundo.
A mulher de Lars, cujo nome nunca vemos ao longo do livro, toma mais tarde as rédeas da narrativa, quando o seu marido foge com uma adolescente, Gloria, depois de a encontrar a dormir no carro numa madrugada. O relato do livro toma formas peculiares: ao passo que a vida da mulher de Lars é sempre contada pela mesma, desde o momento em que esta o perde, até ao início de uma relação platónica com um vizinho bem mais jovem, Xavier, a vida do escritor com a sua fugitiva passa a ser contada por um narrador mais afastado, analisando pormenorizadamente cada movimento do idoso moribundo.
A solidão está sempre presente, e encontramos diversas abordagens à mesma, sentimos compaixão pela mulher de Lars, que mais tarde encontra o conforto de Xavier; e sentimos simultaneamente distância e tristeza para com Lars, que isola toda a gente da sua vida, passando dias no seu parapeito, apenas olhando o mundo.
A relação entre as gerações é escrita de forma singular, e mais uma vez, o autor apresenta-nos duas perspectivas. De um lado, temos Lars, que foge com Gloria, que por sua vez levou a vida a viajar, consumindo drogas e não se preocupando com o mundo. A relação entre ambos é paradoxal, pois em momentos vemos um avô e a sua neta, e noutro um casal. Do outro lado, temos a relação platónica entre a mulher do escritor e Xavier, um jovem estudante de Teologia, e juntos abordam temáticas ainda mais profundas, em torno da religião e do amor.
Ao longo do livro, o leitor vai desvendando uma profundidade na vida das personagens cada vez maior, descobrindo ainda mais angústia que nos faz questionar cada pormenor na história. Sentimo-nos revoltados com os acontecimentos, queremos um retornar, um renascer, mas este não acontece. Ultimamente, encontramo-nos tristes com Lars, mas o desfecho da sua mulher tranquiliza-nos.
A escrita de João Torno é inteligente. O escritor faz o balanço correcto em cada momento da história: nos diálogos profundos entre a mulher de Lars e Xavier, precisamos de tempo para compreender cada frase, mas nos momentos entre Lars e Gloria, o ambiente intimista é revelado através de uma linguagem forte e sem rodeios, nomeadamente nas cenas sexuais.
A verdade é que sentimo-nos abatidos ao longo da obra, tocados pela tristeza; contudo, é esse jogo de sentimentos que nos leva a ler com mais ansiedade até ao final.
João Tordo, que venceu o prémio Saramago em 2009, já revelou que o último livro da trilogia sairá em 2016, sem data definida. Recomendo ambos os livros até agora lançados, prometendo um mundo diferente e emocionalmente forte, escrito por um dos rostos da literatura portuguesa.
“O Paraíso Segundo Lars D.”
João Tordo
Companhia das Letras
2015