Centésima Página não é apenas uma livraria tradicional. Situada na Casa Rolão, na Avenida Central, trata-se de um edifício amplo que deixa transparecer o estilo barroco. O seu design inovador faz com que as pessoas não tenham uma perceção imediata do espaço que é e que pretende ser. “As pessoas olham e pensam: Será que posso entrar? O espaço é tão intimista que causou e causa espanto”, conta Maria João Lobato, sócia da Centésima Página.

Tão grande como a fachada que envolve a Centésima Página foi também o sonho que moveu este projeto. Maria João e Sofia Afonso eram colegas universitárias de Relações Internacionais e decidiram criar uma livraria, mas uma livraria diferente.

Foram quase 10 anos de investigação e estudos do mercado. Passo a passo, foram conseguindo concretizar as suas ideias. A dupla ganhou um novo membro – Helena Veloso – estudante de Gestão Empresarial. E ganhou também um espaço em frente à Faculdade de Filosofia onde se fixaram durante seis anos antes de chegarem à Casa do Rolão, onde se mantêm até hoje.

Apesar do nome ter surgido por um acaso, congrega em si um simbolismo intemporal. “Íamos no comboio para Lisboa registar o nome e tínhamos dois nomes em mente. Uma das minhas sócias ia a ler um artigo que falava em centésima página, sem contexto algum com ‘livraria’. Demos por nós a repetir aquele nome. Era giro. Suava ao virar da página, virar do romance, onde a história começa a dar outra volta, e era isso que queríamos”.

Ambiciosas por natureza, desde cedo que quiseram criar um espaço onde o leitor pudesse “disfrutar de um livro”, como menciona Maria João. Apesar de no estrangeiro já existirem projetos idênticos, a verdade é que em Portugal era uma novidade. “Começamos com um pequeno barzinho onde servíamos apenas café”, recorda a proprietária.

As criadoras da Centésima Página colocaram sempre no seu trabalho a paixão pelos livros, pelas histórias e, citando Albert Camus escrevem no site da livraria: “Se tivesse que escrever um livro de moral, as primeiras 99 páginas ficariam em branco e na 100ª PÁGINA escreveria uma só frase: Existe um único dever, o dever de amar”. Maria João Lobato considera fundamental promover atividades que coloquem os leitores em contacto com os livros e despertar neles o gosto e o amor por uma história. “Reconhecemos, hoje, pessoas que começaram [esse gosto] de pequeninhos connosco”, recorda bastante orgulhosa.

Esta livraria apresenta um público heterogéneo. “Dos oitos aos oitenta, portugueses e estrangeiros”, afirma. A prova disso foi a história de Catarina Rebelo e Nísia Azevedo. Catarina formou-se, há alguns anos atrás, na academia de Braga e ia sempre estudar para a Centésima. Considera-a um “espaço calmo e acolhedor” do qual sentiu saudades quando se teve de afastar. Agora, anos depois, leva a sua colega, Nísia, de nacionalidade brasileira a conhecer a livraria.

Várias são as exposições que completam o design da Centésima Página. Os artistas têm, cada vez mais, a perceção da projeção que podem alcançar ao expor os seus trabalhos na Centésima e, por isso, fazem o pedido às responsáveis.

Sobre a seleção das obras para venda e consulta, Maria João diz que as três sócias são “muito criteriosas”. “Não nos centramos nas novidades ou naquilo que mais vende, mas sobretudo em autores de renome, em grandes clássicos… Isso, sim, tem um grande valor”, acrescenta. A ideia de seguir um registo mais “cultural” do que propriamente financeiro tem sido o principal desafio da Centésima Página. “Este lado negocial/financeiro é, certamente a parte mais sofrida deste projeto”, admite Maria João.

“Aliada à paixão tem de estar a resiliência” e Maria João considera que tanto ela como as sócias têm de ser “teimosas” e “persistentes”, porque “isto não é um negócio fácil, e, por vezes, nem poderá ser considerado negócio no sentido de adquirirmos produtos em série”. Lamenta que as autarquias ainda não tenham tomado medidas que sustentem estes projetos, nomeadamente a criação de parques de estacionamento gratuitos que, na sua opinião, atraíam certamente mais gente, não só para a livraria, mas para todo o espaço envolvente, e “dinamizava, sem dúvida, o comércio de Braga”.

Acerca da literatura em Portugal, Maria João tem uma opinião clara: “Existe uma padronização. Hoje em dia, até a capa vende. É, ainda, muito caro editar um livro em Portugal”.

Apesar de todos os entraves que a Centésima Página foi tendo ao longo dos seus 16 anos, a “paixão” por este projeto prevaleceu e continua a dar seguimento ao sonho que as uniu.