"Doze Contos Peregrinos" reúne textos escritos pelo mágico escritor colombiano, revistos e publicados em 1992.
Gabriel García Márquez deixou-nos um legado magnífico de histórias inesquecíveis, como os clássicos “Cem Anos Solidão”, “Amor em Tempos de Cólera” ou “Memórias das Minhas Putas Tristes”. “Doze Contos Peregrinos” é um bom começo para descobrir a magistralidade do escritor colombiano, vencedor de prémios notáveis, entre os quais o Nobel da Literatura em 1982.
Márquez começa por contar-nos, no prefácio, o ”estranho” processo de escrita deste livro. Caracterizando-se pelo seu “insaciável e incendiário vício de escrever”, diz-nos que todos os contos começaram por ser notas e apontamentos que, por seu erro, foram caindo no esquecimento até um dia terem-se perdido totalmente. Empenhou-se de imediato a reescrever as histórias, que permaneciam bem guardadas na sua memória. Passados alguns anos e feitas algumas viagens, reescreve-os durante “oito meses febris”, criando, dessa feita, umas das suas mais célebres obras.
Nestes doze contos insólitos, onde personagens bizarras, por serem tão comuns, ganham vida, são retratadas narrativas inimagináveis, todas elas com traços de solidão e angústia, por abordarem questões enigmáticas como a morte. “Boa Viagem, Senhor Presidente”; “A Santa”; “O avião da bela adormecida”; “Alugo-me para sonhar”; “Só vim fazer um telefonema”; “Surpresas de Agosto”; “Maria dos Prazeres”; “Dezassete ingleses envenenados”; “Tramontana”; “ O feliz Verão da Senhora Forbes”; “A luz é como a água” e “O rasto do teu sangue da neve” são os títulos das pequenas histórias, das quais destaco, dificilmente, por serem todas geniais, três delas.
“Só vim fazer um telefonema”, a história de María de Luz Cervantes que, devido a uma avaria no automóvel, procura quem a ajude a efetuar um telefonema para o seu marido. Após alguma espera, um autocarro com aspeto esquisito lá a acode. Só que, em vez de ir ter ao encontro do telefone, depara-se dentro de um hospício, do qual não consegue sair.
“Maria dos prazeres”, uma velha prostituta, consciente da sua morte próxima, planeia o seu enterro e ensina o seu cão a chorar, para que quando partisse tivesse quem chorasse por ela, na sua lápide.
“O rasto do teu sangue na neve” é talvez o conto que mais me tenha emocionado. Neste, fala-se de paixão e amor carnal, temas que despertam de imediato a atenção do leitor. Todavia, a direção da narrativa altera-se e toda a descrição inicial, que transmitia tranquilidade, é substituída, novamente, pelo sentimento de inquietação e confusão. Nena Dancote e Billy Sanchez, uns recém-casados, viajam no seu Bentley descapotável até França, caminho pelo qual a noiva deixa, de uma picadela de uma rosa, um rasto de sangue. A perda de sangue torna-se tão grande, que o casal dirige-se para o hospital. O problema é que, com as regras inexoráveis de França, Billy vê-se obrigado a deixar a mulher sozinha, tendo de esperar dias e dias, numa loucura incessante, para voltar a encontrá-la.
Marcada pela escrita característica de Gabriel, repleta de inúmeras metáforas e adjetivos, que descrevem a Europa como não estamos acostumados, e com vocabulário rico mas, ao mesmo tempo, de fácil compreensão, esta obra é um tanto inefável. Envolvente e emocionante, faz o leitor refletir sobre a justiça ou injustiça da morte.
Não se encontra, neste livro, finais felizes, embora ocasionalmente, assistamos a momentos de regozijo. Aproxima-se, assim, da “vida real” que em todos os casos, contém episódios prazerosos, bem como outros infelizes. Para quem se inebrie com histórias misteriosas e alternativas, aconselho vivamente esta leitura.
“Doze Contos Peregrinos”
Gabriel García Márquez
Publicações Dom Quixote
1992