António Guterres teceu duras críticas à comunidade internacional na ajuda insuficiente aos países que passaram pela Primavera Árabe, e considera que a falta de alimento acelerou as migrações para a Europa. O ex-Alto Comissário das ONU para os Refugiados esteve ontem no Centro Académico de Braga (CAB) a discutir a crise de refugiados e o papel da fé no tema.
O CAB, que se caracteriza como um grupo jesuíta, no qual se inserem estudantes universitários, assumiu uma posição de apoio e acolhimento perante os refugiados. E sendo esta uma organização religiosa, a conversa iniciou com as palavras do Papa Francisco sobre este assunto, em 2015. António Guterres deu crédito ao Papa, mas foi rápido a aprofundar o problema.
“O Papa Francisco deu ao problema uma projeção maior pelo seu carisma. Mas a razão pela qual as pessoas acordaram é diferente. Não há nada que tenha mudado em 2016, que tenha sido diferente em 2015. Pode-se dizer que as pessoas que se deslocaram por conflito multiplicaram-se, mas a aceleração não é de 2015. O que aconteceu foi o aumento na Europa”, disse Guterres, justificando a súbita mediatização do tema, indicando que estava “esquecido, mas tornou-se tema central, porque vieram para a Europa”.
Quando questionado sobre as razões pelas quais o número de refugiados aumentou em 2015, António Guterres aponta problemas tanto nos países em zonas de conflito, como no continente europeu. Aliou as medidas de austeridade em certos países ao decréscimo de doações, que por sua vez se uniu à falta de esperança do povo sírio na resolução pacífica para o conflito. Tudo isto provocou aumento súbito de refugiados, catalisado pela falta de ajuda alimentar por parte da comunidade internacional.
Este foi, aliás, um ponto muito criticado por Guterres. Além de ter apontado a carência de comida nos países em situações precárias, falou ainda da falta de apoio ocidental durante a Primavera Árabe: “As pessoas tendem a ser optimistas. Mas houve alguma ingenuidade na forma como os ocidentais viram o ‘despertar árabe’. O que é preocupante e angustiante é verificar, especialmente na Líbia e no Egipto, que em vários países, debaixo do ditador, não havia Estado ou estava mal construído.” Referiu ainda que o desenrolar do fenómeno iniciado em 2011 poderia ter corrido melhor na Tunísia, mas a falta de apoio humanitário e financeiro não permitiu o país se desenvolvesse depois da revolução.
Após abordar as suas esperanças sobre a Síria, o antigo primeiro-ministro mostrou hesitação num final positivo para a questão dos refugiados. “Não estou optimista. Temos que ajudar a Grécia para que fiquem com os refugiados. A Grécia e a Turquia são os países de entrada na Europa. Mas se olharem para a Turquia, ela já não deixa entrar mais sírios”, disse.
Sendo este um encontro realizado numa instituição religiosa, a fé eventualmente tornou-se um aspecto na parte final da conversa. Perguntou-se a Guterres o papel de Deus no problema dos refugiados, e este não seguiu a mesma perspectiva dos jesuítas presentes na sala a abarrotar. “Depois do que vi nos campos de refugiados que visitei, vão-me desculpar, mas não posso acreditar que o sofrimento pelo qual aquelas famílias seja um caminho para Deus”, afirmou, preferindo elogiar a resiliência das populações refugiadas. “Acho extraordinário a esperança e a determinação em não desistir e em seguir em frente, e isso sim, é um espelho de Deus”.