Numa altura em já ninguém “se dá ao trabalho de ouvir” álbuns, “Daily Misconceptions” acaba de lançar o primeiro LP (longa duração). Resultado do projeto musical a solo de João Santos, sons, palavras e imagens misturam-se numa experiência eletrónica. Na cena musical há mais de 12 anos, o músico que começou por estudar piano clássico, falou ao ComUM sobre esta nova etapa.

ComUM: O que nos traz este “Our Little Sequence of Dreams”?

João Santos: “Our Little Sequence of Dreams” é o primeiro álbum de Daily Misconceptions – anteriormente só tinha editado EP’s e faixas em diferentes compilações. Posso dizer que foi complicado fechar este ciclo e criar um álbum numa altura em que a maioria das pessoas já não se dá ao trabalho de ouvir um. Então porquê fazê-lo? Para mim, um álbum conta uma história e “Our Little Sequence of Dreams” traz-nos uma história sobre o indefinido, a falta de “casa” e a procura do conforto. É baseado em experiências e momentos pessoais, não sendo autobiográfico. Musicalmente, aproxima-me mais de um formato de canção em que a voz ganha algum protagonismo. Tudo em “Our Little Sequence of Dreams” é mais orgânico e manual, no entanto, aproxima-nos de uma atmosfera irreal.

“Para mim, um álbum conta uma história.”

ComUM: O LP foi lançado no primeiro dia de primavera. Na capa do álbum predominam os tons pastel e há aves desenhadas. Há alguma simbologia por trás destas escolhas?

João Santos: O artwork do álbum foi todo idealizado e concebido pela Marta, achando melhor ser ela a responder a esta questão.

Marta: Os elementos da capa representam pormenores do álbum. O objetivo é levar o ouvinte a descobrir esses elementos e a associá-los às músicas. O facto de ter saído no primeiro dia de primavera acabou por ser uma coincidência perfeita. Os tons pastel que surgem de uma paleta de tons previamente definida pretendem contrastar com a atmosfera envolvente, neste caso, o fundo, criando uma harmonia agradável, serena.

ComUM: Nas músicas de Daily Misconceptions, a voz ocupa pouco espaço em termos dos segundos em que está presente. Em contrapartida, os títulos, por vezes, são longos. Exemplo disso é o primeiro single “Little Grains Of Rice Running Away From A Plate In Fear Of The Chopsticks”, que pertence ao LP. Qual é o papel das palavras na sua música?

João Santos: Como a música é maioritariamente instrumental e a voz se encontra ausente ou em segundo plano, acabo por sentir necessidade de por vezes deixar bem claro o que quero dizer. Ultimamente até tenho vindo a utilizar os títulos como uma extensão do tema da música. Mas musicalmente a importância das palavras utilizadas incide mais no som do que no seu significado.

Neste álbum esse método foi colocado um pouco de lado e a voz acaba por ganhar algum protagonismo. Aqui o papel das palavras ganha alguma relevância mas, na generalidade, não dou muita importância às palavras em Daily Misconceptions, não é esse o objetivo principal do projeto. Não faço música com o intuito de colocar uma voz com letra por cima. Se sentir que a música necessita de voz, esta pode entrar apenas como um instrumento. Se sentir necessidade de dizer algo importante, aí penso nas palavras. Em “Little Grains Of Rice Running Away From A Plate In Fear Of The Chopsticks” o nome acaba por ser uma piada que vem do tempo do myspace. E numa altura em que tudo tem de ser imediato e sucinto, achei irónico que o primeiro single tivesse um nome gigante, só para ver como seriam as reações (risos).

ComUM: A música do Daily Misconceptions é muitas vezes associada ao pop experimental. Essa ideia está correta?

João Santos: Quem associou pela primeira vez a pop experimental à minha música foi o Nuno Ávila dos Santos da Casa, numa crítica que fez ao meu segundo EP “If i hug your sweaters will they get their colour back?”. Não acho que seja um caso de estar certo ou errado. Na crítica que ele faz, o termo está muito bem associado e muito bem argumentado. Normalmente não defino a minha música como pop experimental, mas isso não me incomoda, são apenas géneros musicais.

ComUM: O João estudou piano clássico, novas tecnologias da música, harmonia e piano jazz. Mais tarde, fez a licenciatura em Música Eletrónica e Produção Musical e, em 2014, completou o Mestrado em Música Interativa e Design do Som. Podemos dizer que as músicas de Daily Misconceptions são um reflexo daquilo que aprendeu ao longo destes anos?

João Santos: Não acho que sejam um reflexo do que aprendi no meio académico. Aqui, eu tenho a liberdade de fazer o que me apetece sem ter de seguir regras, pensar em conceitos ou mesmo em resultados práticos. O que estudei permite-me ir mais longe e chegar a algo que normalmente não conseguiria sem essa aprendizagem. Mas não aplico diretamente esses conhecimentos na composição musical de Daily Misconceptions. Gosto de pensar que de alguma maneira a música de Daily Misconceptions foi influenciada por pessoas que conheci durante essas alturas. É claro que indiretamente existem conceitos e práticas, especialmente nas áreas da produção e mistura, que são uma mais-valia. Mas hoje em dia com a quantidade de informação disponível na internet, basta vontade e tempo para aprender qualquer coisa.

ComUM: Nas atuações ao vivo, a artista visual Sara Esteves junta-se a si, de forma a tornar os concertos em espetáculos audiovisuais. Qual é a relevância dessa relação entre a música e a imagem?

João Santos: O recurso à imagem em concertos foi algo que sempre me fascinou bastante. E como muitas vezes os locais não têm luzes nem técnicos de luzes em condições, acho que é uma mais-valia ter imagem e luminosidade controladas por uma pessoa de quem se gosta do trabalho. Como músico e performer de música eletrónica ao vivo, não toco nenhum “instrumento” com que o público se identifique logo à partida – utilizo diferentes controladores e um computador para me expressar musicalmente, o que para muitas pessoas ainda não é visto como sendo instrumentos musicais válidos. Este facto tende a distanciar o público. Com a interação entre música e imagem na criação de um espetáculo audiovisual, posso envolver e aproximar mais o público, ainda que este continue sem entender muito bem o que se está a passar em cima do palco. Eu e a Sara temos a preocupação de criar algo que seja visualmente estimulante para quem está a ver. Algo que, sem ser real ou muito percetível, não passe despercebido. Utilizamos a tela como uma extensão da própria música, de forma a que o meio visual não seja só mais outro elemento mas uma parte importante do concerto, uma parte de um todo simbiótico.

Fotografia disponibilizada por ZigurArtists

 

ComUM: Como é que o público reage a essa simbiose?

João Santos: Isso depende se a Sara está comigo no palco ou não. Quando estamos juntos e partilhamos o palco, o público sente a nossa energia e reage muito bem a essa simbiose – entram dentro do espetáculo audiovisual e conseguem ver e ouvir Daily Misconceptions como um todo. Quando a Sara está fora do palco é mais complicado para o público entender o que se passa. Por vezes pensam que eu é que estou a passar os vídeos ou que é um VJ local com vídeos aleatórios… Não se conseguem aperceber da relação, logo não reagem muito.

ComUM: Em 2014, juntou-se aos holandeses Fickle Ghost para compor e atuar ao vivo no WestWay Lab Festival 1.0. Como descreve essa experiência?

João Santos: Foi muito interessante. Nunca tinha estado numa situação de trabalho só com músicos desconhecidos e com tão pouco tempo para criar, tipo uma semana e pouco. É engraçado como em tão pouco tempo também acabas por passar por todas as situações agradáveis e desagradáveis da criação e composição musical, assim como pelos problemas de ensaios, com músicos que acabaste de conhecer. Mas no fim, quando ouves o resultado e o apresentas ao público, olhas para trás e vês que a experiência foi muito positiva e gratificante. Tenho pena de ainda não ter conseguido a gravação desse trabalho desenvolvido no WestWay Lab. Já não me lembro muito bem do que fizemos, mas na altura sei que ficámos muito satisfeitos com o resultado final. Chegámos a gravar umas sessões numa sala cheia de reverb com vários instrumentos, quando estivemos na residência, e acabei por utilizar algumas vozes da Rosan em duas faixas do meu último EP “LOP”. Gostava muito de voltar a colaborar com eles e aconselho a todos os músicos este tipo de desafios.

ComUM: No ano passado, lançou um SPLIT EP – o LOP – que, além de estar disponível online, foi também comercializado em cassete. Qual a razão por trás dessa escolha?

João Santos: A ideia surgiu com O Manipulador. Já queríamos lançar uma edição conjunta há algum tempo e para além da versão digital, pela ZigurArtists, também queríamos um formato físico. Fez todo o sentido ser uma cassete – um lado para cada um. O conceito de SPLIT funciona muito bem neste formato.

ComUM: Existe algum artista ou banda que inspira as composições de Daily Misconceptions?

João Santos: Não existe nenhuma em especial. Inspira-me todo o tipo de música, fotografia, filmes, textos, lugares, situações, pessoas, comidas… tudo um pouco.

ComUM: O que podemos esperar do Daily Misconceptions nos próximos tempos?

João Santos: Vamos estar a promover “Our Little Sequence of Dreams” um pouco por todo o país. O concerto de apresentação vai ser no dia 21 de Abril nas Damas em Lisboa, com a primeira parte a cargo do Branches. No mesmo dia vamos ter a edição física do álbum em CD, disponível para venda. Podem ficar a par de todas as datas através do nosso sitewww.dailymisconceptions.net.