O novo álbum dos Radiohead emerge do véu de mistério e expectativa criado em torno do então ainda chamado LP9 para deslumbrar e surpreender o mundo mais uma vez.

Ninguém estava preparado para o que veio e, mesmo que algumas dicas tenham sido deixadas ao longo do caminho, era impossível prever o seu desfecho. Os Radiohead são sem sombra de dúvidas a banda da sua geração que mais conseguiu empurrar as fronteiras de um género musical que parece exausto e cansado (o rock), que consegue romper com os clichés musicais, para depois voltar a ressuscitá-los e ainda os fazer parecer algo completamente novo. A Moon Shaped Pool não é um álbum de uma banda de rock, mas o trabalho de uma banda que não se contenta com um rótulo. Os Radiohead não são uma banda de rock (na origem foram, está claro). Os Radiohead são uma banda de artífices.

Fonte: discodigital.sapo.pt

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O que sabíamos? Que teríamos canções sorumbáticas sobre o estado do mundo, das coisas e dos sentimentos; sabíamos que teríamos orquestração; conhecíamos até algumas faixas que provavelmente entrariam no disco graças ao mundo subterrâneo dos bootlegs – de facto, das onze faixas do disco, sete já existiam em formato bootleg. Contudo, (ainda) não sabíamos nada. Se The King of Limbs (TKOL) parecia ser um álbum de Thom Yorke, pelo flirt incessante com a electrónica (não são poucos os que reconhecem uma qualquer semelhança entre Lotus Flower e Ingenue), A Moon Shaped Pool é um álbum de Jonny Greenwood. A mão do prodígio musical está em todos os lados. Desde a orquestração inventiva e virtuosa para uma banda (de rock, vá lá) ao uso dos sintetizadores, Kaosss Pad e guitarras frenéticas e sinuosas que parecem querer pontuar os momentos mais inesperados.

O álbum é maduro e assombrosamente consistente – muito mais do que os seus predecessores, o excelente In Rainbows e o peculiar TKOL. O disco abre com um clássico dos bootlegs, sem nem ao menos existir propriamente como bootleg. Dos três acordes que se conhecia de Burn the Witch, nada fazia antever guitarras a todo volume e as cordas que provam que o col legno e o pizzicato podem servir tão bem ao Tchaikovsky como ao mundo da música pop. Daydreaming é uma experiência minimalista (alguns já falam em nu-minimalismo próximo do compositor islandês Johann Johannsson, guardadas as proporções): um riff de piano, pequenos brilhos (fx), uma melodia secundária de piano esquiva, que brinca aos escondidos com os ouvidos mais atentos. Os violinos que tropeçam quase para o fim da canção, a criar uma impressão cinematográfica, e os back-vocals inusitados, em reverse, ajudam a compor a atmosfera etérea que termina com mais um mistério: o que estará Thom Yorke a cantar?

Decks Dark é a que mais se aproxima de uma síntese do que foram e são os Radiohead. O que parece ser uma balada ao piano, com Thom Yorke a debitar o encontro inesperado com a fatalidade, acompanhado por uma drum-machine, torna-se uma canção prog com uma guitarra que deve alguma coisa aos Pink Floyd. Nada nos prepara para o coro da Orquestra Contemporânea de Londres que adiciona um ar maligno à canção. Desert Island Disk e The Numbers são canções folk em essência com um dedilhado de guitarra que nos lembra Neil Young. Com a diferença que em Desert Island Disk temos uma atmosfera sonora que parece nunca encontrar a melodia principal, mas que na sua dissonância compõem a sensação de caminhada em busca de compreensão que nos fala a letra. The Numbers (outrora chamada Silent Spring) tem arpejos de piano e um dos momentos altos de orquestração. Um conjunto de cordas embebidas em Stravinsky compõe um dos momentos mais «clássicos» do álbum. O mesmo se pode dizer de Glass Eyes, dessa vez mais próximo de Debussy, e com uma letra a arrancar com um (quase) cliché nunca visto em Thom Yorke: «Hey, it’s me…».

Ful Stop começa sob uma grande camada sonora que a abafa, fazendo-nos pensar «Estão a tocar uma boa música na sala ao lado», até que nos abrem a porta e deixam-nos participar da festa. A partir desse momento temos os Radiohead a soar aos Can, puro krautrock. Ainda na sessão de invenção clássica dentro das fronteiras da música ligeira, Tinker Tailor Soldier Sailor Rich Man Poor Man Beggar Man Thief (retirado a uma rima infantil britânica) temos o maior outro já visto numa canção dos Radiohead, que é quando a verdadeira música começa. São quase dois minutos de instrumentação apoteótica, condensada, a dissolver-se lá para o fim.

Em Identikit temos reggae, coros e um ritmo dançante. Uma guitarra que como o ar procura estar em todos e lados e, o melhor de tudo, voltamos a ter uma canção dos Radiohead com a presença de um solo, que pode não ser exuberante, mas é preciso na sua complementaridade. É nessa canção que vemos a única referência ao título do álbum cantada de forma quase imperceptível no backdrop da música. Present Tense, na sua peculiaridade, brinca com a progressão de acordes típicas da Bossa Nova. O que não é nenhuma novidade, basta nos lembrarmos de House of Cards. A música fala de uma dança que serve como forma de autodefesa e não poderia ser mais bem servida se não fosse através de um ritmo latino, sensual, com um coro que parece advindo de uma gravação de João Gilberto.

E, por último, temos a clássica e muito falada True Love Waits. Uma canção que resistiu ao passar do tempo, no seu tom melancólico, com um piano a arrancar mágoas. Pode não ser a melhor canção do álbum, mas para os fãs será uma pérola. A voz de Thom Yorke aparece frágil, quase a ponto de partir. Observem a rouquidão suave e plangente no minuto 2:02 que contribui para a atmosfera dorida da canção. Esperar tanto tempo para ouvir uma gravação de estúdio dessa música pode ter sido um martírio para os fãs, que durante todo esse tempo não viveram, mas estiveram a matar o tempo no espaço entre os dois últimos álbuns.

A Moon Shaped Pool, recheado de «velhas conhecidas» do público parece, dizem alguns, o cantar do cisne de uma banda que sempre se apresentou como exploradores laboriosos. Porém o que esse álbum realmente prova é que o verdadeiro amor (sobre)vive em bootlegs.

 

Texto: Francisco Conrado