Ontem, os Radiohead voltaram a surpreender o mundo, lançando o seu novo single, "Burn The Witch". Os britânicos são cabeças-de-cartaz no NOS Alive, no dia 8 de julho.
Foram precisos cinco anos para ouvirmos algo novo dos Radiohead. Primeiro, na forma de material enjeitado pelos produtores do último filme do Bond, Spectre. Agora, como um single que prenuncia o futuro LP9 – a forma como tem sido referido pelos fãs o nono álbum dos Radiohead. Mas se foram necessários cinco anos para ouvirmos novo material, Burn the Witch levou muito mais tempo. A primeira referência a essa música foi feita durante a gravação do icónico álbum Kid A (2000). O primeiro teaser foi feito apenas em 2006. Três acordes seguidos de um comentário: “Quando tivermos uma orquestra, tocaremos Burn the Witch”.
Enfim temos a orquestra e ei-la ante nós em toda a sua exuberância, Burn the Witch. Já podemos dar início à inquisição.
Ao contrário de singles anteriores, ou mesmo do uso que algumas bandas fazem do primeiro single de trabalho, Burn the Witch é uma slow-burner. A reação pode não ser tão imediata como quando se ouviu pela primeira vez singles como Lotus Flower ou There There (não digo o mesmo para os fãs inveterados da banda que tendem a reagir positivamente de forma quase espontânea e imediata). Mas já é de conhecimento popular: Primeiro estranha-se, depois, entranha-se.
O arranque das guitarras em power-chords, os instrumentos de cordas, parte em col legno, parte em pizzicato, o prato que anuncia a entrada da bateria até ao romper triunfal do baixo (elevadíssimo) e do sintetizador aos 13 segundos marcam o tom em constante crescendo da canção. Começar alto e manter o crescendo implica aumentar cada vez mais o tom até um final exuberante e luxuoso. O pizzicato e col legno param no momento exato em que se entra no refrão, para voltarmos a ter o tradicional deslizar do arco sobre as cordas.
Thom Yorke, ao contrário do que é costume, canta com bastante clareza e limpidez, o que torna a mensagem ainda mais aterradora. Um alerta sobre a sociedade da constante vigilância e dos sentimentos e razões adormecidos, onde seguir instruções é mais importante do que racionalizar os acontecimentos (“abandon all reason/ avoid all eye contact/ do not react/shoot the messengers“). A letra não é nenhuma poesia erudita (já vimos melhores do Thom Yorke) mas serve bem o contexto.
Quem está familiarizado com a música clássica vai reconhecer, mesmo que de forma indireta e não intencional, a partir do minuto 1:24, um violino que traz reminiscências do movimento final da peça de ballet Gayane, de Aram Khachaturian, o popular “A Dança dos Sabres”.
O final da canção, ou musicalmente falando, o outro, a partir do minuto 3:10, consegue captar com perfeição a dissonância entre as guitarras e os violinos, a encerrar num caos apoteótico a consumação das bruxas pelas chamas. Pena ser tão curto (30 segundos instrumentais podem soar uma eternidade para os padrões da música pop, mas não estamos a falar em convencionalismos aqui).
O que os Radiohead fizeram não é novidade. Orquestras e bandas de rock prestam-se a estas fusões desde há muito tempo. São vários os exemplos existentes, com mais fluência e erudição no metal. O que é novo é esta opção dos Radiohead. Será o afamado LP9 uma exuberância de rock e orquestra? Spectre, a música que precedeu este Burn the Witch, apontava na mesma direção. Algumas peças no Kid A também já o faziam. Mesmo Harry Patch (in memory of) é uma das mais belíssimas composições rock orquestradas dos últimos anos. Temos que esperar. Por agora, a Santa Inquisição decreta que os ouvintes se deixem queimar nas chamas, até alcançarem a purificação dos ouvidos.
Sicut erat in princípio, et nunc et semper, et in saecula sæculórum. Amen. Urite pythonissam!
Texto: Francisco Conrado