Tiago Barbosa e Ricardo Daniel são amigos. O primeiro é cantor, pianista e compositor. O segundo é baterista e escreve poemas. Entre 2007 e 2009, ambos passaram por um período difícil, partilharam casa e este role de coincidências resultou na formação dos Cambraia. O projeto musical acabou por sarar as feridas dos amigos e há nove anos que dá ao público música em português, explorando sempre as tradições do país. Sem “uma estrutura capaz de promover e agenciar” os Cambraia, o álbum ”Concordar Com Gente Grande” está à venda em formato digital desde outubro, mas é ainda desconhecido da maioria do público. Apesar desta contrariedade, Tiago Barbosa não perde a esperança: um dia, o tom crítico, o cómico e a alegria das canções dos Cambraia vão pairar na cabeça de muitos.

13129041_765784726855416_456016308_oComUM: As letras dos Cambraia têm (quase) sempre um duplo significado e são muito críticas. O que é que os Cambraia quiseram transmitir neste Concordar Com Gente Grande?

Tiago Barbosa: Quisemos sobretudo convidar quem nos ouve a pensar, a refletir sobre uma série de assuntos que são comuns a toda a gente, como a relação entre civismo e inteligência emocional ou a visão que temos da classe que nos governa, ou de outras coisas como as nossas relações afetivas connosco e com o próximo. As letras dos Cambraia acabam por desembocar mais vezes em perguntas do que em respostas, abrindo a mente do nosso público para novas ideias e perspetivas sobre as suas experiências de vida.

ComUM: Já passaram cerca de seis meses desde a apresentação do trabalho. Como avalia o percurso do álbum?

Tiago Barbosa: O disco ainda é desconhecido da maioria do público pelas razões do costume: falta-nos uma estrutura capaz de promover e agenciar (marcando concertos) os Cambraia para que o grande público possa ouvir e aceitar ou não o nosso disco. No entanto, enquanto não conseguimos agarrar tal estrutura, temos estado a fazer tudo o que nos é possível para tocarmos mais ao vivo e passar na rádio para tentarmos chegar a cada vez mais smartphones e autorrádios por esse mundo fora. Estamos na luta e vamos vencer. Resumindo: tem sido um percurso bastante lento mas com tendência a acelerar para a velocidade recomendável.

ComUM: O single de estreia fez parte da banda sonora da novela Belmonte, transmitida na TVI. Em retrospetiva, sente que esse facto fez com que os Cambraia fossem associados apenas a essa música ou, antes pelo contrário, constituiu um meio de promoção da banda?

Tiago Barbosa: O resultado do single ter passado na telenovela é o seguinte: quando tocamos o tema ao vivo as pessoas “conhecem-no de algum lado” mas não sabem bem de onde e muito menos o associam ao nome Cambraia. Mas a razão é muito simples: se esta aparição constante na Belmonte tivesse sido acompanhada de uma promoção eficaz executada pela tal estrutura que mencionei na resposta à pergunta anterior, não só o single andaria nos assobios de muita gente como também mais pessoas assistiriam aos nossos concertos e conheceriam as outras canções dos Cambraia. Um dia é isso que vai acontecer.

ComUM: Em entrevistas anteriores, afirmou que nunca encontra indiferença no público, que quem assiste aos vossos espetáculos manifesta alegria e desconfiança, emoção e concentração. Nesta mistura de sentimentos, o que é que o Tiago sente enquanto está em cima do palco?

“Há muitos momentos saborosos em que me emociono ou rio com o que vejo no público.”

Tiago Barbosa: Em cima do palco acontece-me muita coisa. Por norma estou muito concentrado no que estou a fazer, pois toco e canto ao mesmo tempo e há canções em que não é fácil (para mim) fazê-lo. No entanto há muitos momentos saborosos em que me emociono ou rio com o que vejo no público. Para mim é fulcral o contacto visual com todas as caras do público (por enquanto não é difícil pois não são assim tantos) para medir a energia da sala ao longo do concerto. Aliás, isto é tão importante para a minha autoconfiança em palco que exijo sempre não ter nenhum projetor frontal a “cegar-me” e fico muito irritado quando isso acontece. Por fim, reajo muito também aos meus companheiros de palco, claro.

ComUM: Quando os Cambraia surgiram, afirmaram que o objetivo do projeto passava por explorar as tradições portuguesas. Nove anos depois, considera que o propósito está a ser cumprido?

Tiago Barbosa: Está a ser cumprido embora saibamos que ainda estamos no início do nosso caminho. Ainda precisamos de ler, ouvir, estudar muito a nossa música tradicional para fortalecermos a nossa identidade como banda.

ComUM: O Ricardo Daniel escreve e o Tiago musica. Mas como é que acontece o processo de composição? É algo que surge naturalmente ou é planeado?

Tiago Barbosa: O Ricardo escreve, entrega-me os poemas e só a partir daí é que eu crio música para eles. Este é um processo que queremos manter escrupulosamente. No entanto, tanto os poemas como a música surgem naturalmente, nada se força.

ComUM: Cantam sempre em português. Esta característica é um valor acrescentado ou uma dificuldade?

“Nós não resistimos a um bom desafio.”

Tiago Barbosa: Julgo que se trata de um valor acrescentado, já que a nossa língua é muito rica em sonoridades e ritmos. No entanto poderá haver algum grau de dificuldade quando se trata de organizar toda essa riqueza para produzir as canções dos Cambraia. Mas quanto mais difícil, maior é o desafio. E nós não resistimos a um bom desafio.

ComUM: Segundo o dicionário, cambraia é um tecido translúcido. Se olhássemos para o mundo através de uma cambraia, seríamos pessoas melhores?

Tiago Barbosa: Não sei se seríamos necessariamente melhores. Acredito que nós não somos bons ou maus, mas sim bons e maus, i.e., somos capazes do melhor e do pior. O que interessa é o momento da escolha. No entanto, veio-me agora à ideia um exemplo positivo num olhar através de uma cambraia: imagine que vê uma pessoa, mas não consegue distinguir se é bonita ou feia, a cor da pele, etc. Nesse caso teria que estabelecer uma conversa com essa pessoa, algo que nem sequer aconteceria se a tivesse visto com nitidez. Não raras vezes, desistimos de travar conhecimento com determinada pessoa devido a preconceitos gerados por avaliações precipitadas que fazemos delas assim que as vemos. Se calhar acaba de nos dar uma bela ideia para uma canção.

ComUM: O que espera para o futuro dos Cambraia?

Tiago Barbosa: Espero que consigamos fazer chegar a nossa música a muita gente. E que, disco a disco, nos aproximemos cada vez mais de uma identidade única que nos distinga dos demais artistas da música cantada em português. E sobretudo que façamos muito bem a quem nos escute.