Idealizou, produziu e apresentou o programa “Atlântico”, transmitido em 1999 pela RTP em Portugal e pela TV Cultura no Brasil. O objetivo foi reunir, durante 14 semanas, duplas de cantores e compositores dos dois países. Em 2008, o talk-show foi escolhido como um dos 50 melhores programas de sempre da televisão portuguesa e talvez tenham sido iniciativas como esta que ajudaram a colar o rótulo de “embaixatriz portuguesa em terras brasileiras” à imagem de Eugénia Melo e Castro. Mas a cantora considera esse título “chato e redutor” - tal como redutor seria se nos ficássemos por aludir ao seu percurso musical. Além de ter sido a voz da terceira temporada do programa “Boa noite, Vitinho!”, Eugénia Melo e Castro estudou artes gráficas, cinema e fotografia; participou em filmes de Joaquim Leitão e Djalma Limonge Batista; fundou um grupo de teatro, foi atriz e encenou poesia experimental. No ano em que a Farol Música edita nas plataformas digitais os melhores discos da entrevistada, Eugénia Melo e Castro fala com o ComUM sobre intuição, música e a língua portuguesa.

13575467_795229590577596_159171780_oComUM: Já está disponível nas plataformas digitais uma coletânea dos seus melhores álbuns. 35 anos depois do início da sua carreira, qual é o balanço que faz?

Eugénia Melo e Castro: Eu não gosto de fazer balanços, mas é bom saber e perceber que tenho trabalhado muito. Mas sou mais de olhar para a frente.

ComUM: Consegue identificar um CD ou um tema seu como sendo o melhor?

Eugénia Melo e Castro: Isso é impossível, embora haja naturalmente coisas muito diferentes entre si. Acho o meu terceiro disco, “III”, muito bom e o disco “Um Gosto de Sol” é muito tranquilo. O “Paz” também… não sei…

ComUM: Há uma mensagem que seja transversal às suas composições? O que é que a inspirou ao longo destes anos?

Eugénia Melo e Castro: Mensagem zero. Apenas ideias que me sensibilizaram na época da gravação de que cada uma.

ComUM: “Conversas Com Versos” é o nome do seu primeiro CD infantil e foi inspirado num livro escrito pela sua mãe, Maria Alberta Menéres. Como é que a poesia deu lugar à música?

Eugénia Melo e Castro: Foi um processo natural. Sempre quis musicar alguns poemas infantis da minha mãe e particularmente desse livro, “Conversas Com Versos”, que a minha mãe escreveu quando eu tinha 10 anos. A escrita poética da minha mãe já muito musical e criativa… Foi um trabalho feito com muito amor e alegria.

“Só a intuição me guiou.”

ComUM: Revelou que quando decidiu ser cantora, sentiu que o músico com quem deveria trabalhar era o Wagner Tiso. Como é que soube que ia resultar?

Eugénia Melo e Castro: Pura intuição e gosto musical. Eu arrisquei, sem rede nem esquemas. Por isso, só a intuição me guiou.

ComUM: Já cantou com Tom Jobim, Ney Matogrosso, Gal Costa, Caetano Veloso, Chico Buarque, Adriana Calcanhotto… O que recorda dessas colaborações?

Eugénia Melo e Castro: Muitas gargalhadas, muito orgulho, a sensação de querer mais e de realização de sonhos muito importantes para a vida que escolhi para mim.

ComUM: Afirmou, em entrevistas anteriores, e passo a citar, “Não acredito muito em vendas de discos, acredito mais em shows”. No palco é tudo mais verdadeiro?

Eugénia Melo e Castro: Eu acho o máximo gravar discos, adoro esse momento único das gravações. O mundo discográfico mudou muito e hoje em dia gravar discos “bem gravados” é mais difícil, e a importância de fazer shows e de cantar ao vivo tornou-se indispensável. Era isso que eu queria dizer.

ComUM: Muitos apresentam-na como a “embaixatriz portuguesa em terras brasileiras”. Sente-se assim?

Eugénia Melo e Castro: Acho isso chato e redutor. Fui em 1981 ao Brasil começar esta coisa de me relacionar musicalmente com músicos brasileiros, mas depois de mim foi muita gente daqui também. E antes também já tinham ido. Apenas fui a primeira a gravar um dueto (com o Ney) em 1982, o resto é lenda. E muitas viagens e muitas músicas…

ComUM: O Brasil atravessa tempos difíceis, política e economicamente. Portugal ainda enfrenta os efeitos da crise económica. Estes problemas têm repercussões no panorama artístico dos países?

Eugénia Melo e Castro: Estamos numa fase muito difícil, não só nestes dois países. Temos de nos adaptar a novas velocidades, novos conceitos e novas ideias. A cultura sempre teve um papel muito importante, muita exposição e muito acesso e influência. Mas não podemos desanimar, a criatividade é uma arma imbatível.

“A língua portuguesa está viva e solta no mundo.”

ComUM: Que parcerias poderiam ser estabelecidas entre os músicos portugueses e os brasileiros, como forma de potenciar a língua portuguesa?

Eugénia Melo e Castro: A língua portuguesa não precisa de proteção – está viva e solta no mundo. Cada vez mais.

ComUM: Há espaço para a música portuguesa no mundo, tirando nos PALOP?

Eugénia Melo e Castro: Nunca frequentei os mundos lusófonos nem os PALOP, nem embaixadas, nem comunidades portuguesas pelo Mundo. Nada contra, mas nada a favor também. Detesto rótulos e guetos. A língua portuguesa tem vida própria, é evolutiva e é cada vez mais estudada nas universidades do mundo inteiro. Os poetas e escritores de língua portuguesa são cada vez mais reconhecidos por esse mundo fora. Falar exclusivamente da música é um pouco mais difícil. Tirando o Brasil, na música cantada em português, só o fado consegue milagres, e mesmo assim é pela emoção e pela magia, não pelo entendimento imediato das palavras.

ComUM: O que é que ainda lhe falta fazer?

Eugénia Melo e Castro: Tenho discos para gravar e lançar, músicas para compor, projetos em andamento e shows marcados por esse mundo fora. Enquanto eu me sentir bem, vou andando por aí.