O plano era simples: criar os temas e ensaiar em 2014; gravar os instrumentos e as vozes em 2015. Em 2016 aprimoraram detalhes, começaram o processo de mistura e lançaram dois vídeos. Plano cumprido, “Hunting Desire” é o nome do primeiro álbum dos Crimson Hall e está disponível nas plataformas digitais desde junho. Em entrevista ao ComUM, o guitarrista João Ferreira fala de autorreflexão, de um tema que escreveu, do contacto com os alunos de música, da formação em jazz e da possibilidade de exportação de rock cantado em português. Um dos pilares da banda é realçado: a vontade de serem mainstream está ligada à vontade de quererem que a mensagem das composições chegue a muitas pessoas.
ComUM: Já afirmaram que o “Hunting Desire” é “um álbum virado para dentro do indivíduo”. Podemos encontrar aqui alguns traços de psicologia? Quer dizer, o single “Better Safe Than Sorry” fala em perceções e desilusão; o “Tonight” é introspetivo…
João Ferreira: Este álbum fala muito sobre as pessoas e as suas problemáticas. Não tanto de uma forma analítica como a de um psicólogo, mas mais de autorreflexão sobre a sua vida, os sucessos e insucessos, forças e fraquezas, caminhos para atingir os seus objetivos e no geral as situações com que se depara no decorrer da vida. Daí ser um álbum virado para dentro – é como uma novela com vários capítulos, em que cada um representa uma situação diferente e a forma como o indivíduo a analisa e reage.
ComUM: Ainda sobre o “Tonight”… O tema está carregado de melancolia, mas vai ganhando intensidade. Com a passagem do tempo, o aproximar do sol, da manhã, também o ser humano vive mais intensamente graças à lucidez que a claridade traz? Ou é exatamente o contrário – a noite é mais intensa?
João Ferreira: Se formos pela sequência do nosso vídeo do “Tonight”, o final da noite, o after party, é bastante mais calmo do que a noite em si. Esta última é mais frenética, mais intensa. E na verdade acho que é normalmente assim: as pessoas vão a festas, concertos, a uma variedade incrível de coisas durante a noite em que há um excesso de estímulos, e depois da tempestade da noite vem a bonança do final da noite, o amanhecer… Traz tranquilidade, é o release após a tensão da noite. E o encadeamento de dinâmicas no tema “Tonight” representa isso, ou seja, na parte inicial ele está a sair de casa, está tranquilo, num estado melancólico e depois, quando está na confusão da noite, torna-se tudo mais intenso.
ComUM: Escreveu um dos temas do álbum. Como foi esse processo?
João Ferreira: É verdade, escrevi o “Up in the air”, que fala sobre alguém que perante o medo de estar a voar num avião começa a fazer uma análise da sua vida, começando a dar mais valor a determinadas coisas e a ganhar uma perspetiva diferente sobre o seu percurso. O tema foi escrito durante uma viagem que fiz para ir tocar aos Açores e, não sendo eu grande apreciador de voar, decidi fazer algo para me distrair e saiu este tema.
ComUM: Alguns elementos da banda, incluindo o João, são professores de música. O convívio com os alunos e a prática do ensino reflete-se nas vossas composições?
João Ferreira: Não acho que haja uma influência direta. O facto de darmos aulas permite-nos conviver com pessoas de tipos variados, desde crianças a pessoas mais velhas, tudo. Mas o que estas pessoas têm em comum é o facto de adorarem a música. É de facto uma experiência enriquecedora mas que, na minha opinião, não tem uma influência direta na música que fazemos.
ComUM: E a vossa formação em jazz? Tem repercussões nos temas?
João Ferreira: A nossa formação em jazz, como todas as etapas pelas quais passámos e passaremos na nossa vida, é um elemento que nos completa enquanto músicos. Se há uma relação direta entre a formação e o trabalho que fazemos, não sei… Mas de certeza que a formação nos deu ferramentas técnicas úteis na criação dos temas.
ComUM: Em entrevista ao Fantastic afirmou, e cito, “nós pretendemos ser mainstream”. Por que é que faz sentido para vocês seguirem essa linha?
João Ferreira: Nós queremos ser mainstream no sentido em que queremos chegar ao maior número de pessoas possível. Nós queremos expor as nossas ideias num formato em que as pessoas compreendam com facilidade. É uma preocupação que temos: pegar nas nossas criações e limpar o ruído que possa afetar a passagem da mensagem. Isso para nós é mainstream, não nos queremos fechar numa bolha de linguagem que só nós compreendemos.
ComUM: A opção por cantarem em inglês também é uma forma de chegarem cada vez a mais gente? Ou não foi uma decisão e, pelo contrário, aconteceu naturalmente?
João Ferreira: Acho que o inglês veio naturalmente… Todos adoramos música em português, mas provavelmente a maior parte das nossas influências ligadas à criação dos Crimson Hall são em inglês e penso que essa será a maior razão.
ComUM: Pensam na internacionalização?
João Ferreira: Mantendo o desejo de chegar ao maior número de pessoas possível, achamos que há muita gente por esse mundo fora a quem nós gostávamos que a nossa música chegasse.
“Se a mensagem for forte, os sentimentos são maiores que as palavras.”
ComUM: Seria fácil para uma banda de rock cantado em português chegar a outros países?
João Ferreira: Acho que seria possível, sim. Se a mensagem for forte, os sentimentos são maiores que as palavras. Os estrangeiros emocionam-se a ouvir fado e não percebem o que está a ser dito, por isso, acho que sim.
ComUM: No dia 2 de julho apresentaram o disco no RCA Club. Como foi essa noite?
João Ferreira: Foi incrível, acho que correu tudo bem, as pessoas participaram, cantaram… foi muito bom!
ComUM: Como surgiu a ideia de convidarem os Insch?
João Ferreira: Ouvimos os Insch na rádio e gostámos bastante. Depois descobrimos que eles também estavam com a Farol Música [editora] e achámos que tínhamos bastantes elementos comuns e que seria fácil partilharmos a noite. E daí surgiu o convite. Correu tudo bem, foi uma noite intensa.
“Nenhum homem é uma ilha e a união faz a força.”
ComUM: Deviam existir mais colaborações entre os artistas de rock portugueses?
João Ferreira: No nosso ponto de vista achamos que deve haver colaborações entre todos os artistas de todos os estilos. Nenhum homem é uma ilha e a união faz a força. Deixemos de estar isolados e vamos juntar-nos pela música!