O verão pede leituras na rede do quintal. Desta vez, o livro escolhido foi o polémico “Caim” do Nobel português José Saramago. O livro gerou muita controvérsia, nomeadamente na Igreja Católica; apesar disso, vendeu mais de 70 mil exemplares nos primeiros dez dias. A história de Caim, o criminoso sem terra que vagueia sem destino e que tem a ousadia de desafiar Deus, é um relato incontornável que nos põe a refletir sobre a legitimidade das leis que Deus nos impõe. A história, contada de forma familiar, transporta-nos para um mundo imaginário.
A história de Caim começa muito antes do seu nascimento. A primeira parte da obra é dedicada aos seus pais: Adão e Eva. A história dos primeiros habitantes da Terra é narrada até ao momento da sua expulsão do Jardim de Éden, depois de Eva ter cometido o famoso e já conhecido crime.
A partir daí, a ação centra-se em Caim. Depois de ter cometido um horrendo crime, Deus e Caim têm uma discussão que vai ditar o resto da história. Caim acusa Deus de ter sido cúmplice do seu crime e Deus, não o podendo negar, condena-o a uma vida de constante deambulação por “outros presentes”, como lhes chama Caim.
É a história de um criminoso com uma marca na testa, de um homem sem terra que anda de cidade em cidade em busca de um pedaço de pão, um tecto e, por vezes, de um trabalho. Ao longo da sua passagem pelas diferentes cidades que visita, Caim assiste às atrocidades que Deus, supostamente bondoso e benevolente, comete por pura diversão ou para mostrar o seu poder. É esta faceta de Deus que José Saramago critica através de “Caim“. O autor mostra-nos o ponto de vista de Caim relativamente a histórias bíblicas famosas, como a de Moisés ou a da Arca de Noé.
Se no início da história Caim nos parece ser um homem infantil, impulsivo, invejoso e rancoroso, com o decorrer das páginas revela-se um homem inteligente, bom e justo. Numa atitude sempre cética, curiosa, questionadora e às vezes revoltada, Caim levanta questões profundas que põem em causa das Leis de Deus, assim como a sua veracidade e a legitimidade das suas ações.
Num relato polémico, racional e questionador, cheio de ironias, sarcasmos e pequenas reflexões e pensamentos, o autor faz-nos viajar até ao primórdios, ao “antes de Cristo”, à altura em que os povos eram governados por uma inquestionável “ditadura divina”. A viagem de Caim mudou o rumo da História, pelo menos no livro. A obra de Saramago mudou com certeza a forma como muitos viam a história de Deus.
Caim
José Saramago
Editorial Caminho
2009