O Mucho Flow regressou, na sua 4.ª edição, ao Centro para os Assuntos da Arte e Arquitetura (CAAA), em Guimarães. O certame serviu de abrigo “ao que já emerge do underground”, como referenciou Miguel de Oliveira, da organização, para as playlists dos melómanos portugueses. A Revolve, companhia discográfica vimaranense, voltou com uma programação diversificada que juntou artistas de diferentes “mundos”.

A edição, “a mais concorrida de sempre”, segundo o organizador, trouxe, também, público estrangeiro à cidade berço: “Pelo menos, ouvi pessoal a falar para mim em inglês!”, sublinhou Miguel.

“Isto foi do c*ralho”. O êxtase vivido ao fim de Bo Ningen, um dos cabeças de cartaz da edição deste ano do Mucho Flow, foi verbalizado desta forma por muitos dos que se deslocaram a Guimarães para 12 horas de música alternativa. Os cabeludos do noise rock conseguiram, para muitos, o concerto do certame. Mas voltamos a eles mais à frente.

Não só dos intensos nipónicos se escreve a história desta edição. Muitos mais nomes se juntaram à festa, espalhando-se pelos três palcos: Palco Rua, Palco Revolve e Palco Mucho. Na rua e para todos esteve a lisboeta Sallim, seguida da guitarra e voz de Captain Boy e das canções de Lourenço Crespo que aqueceram a tarde de sábado.

Os vimaranenses Toulouse chegaram depois da hora da janta, pelas 20h30, e com eles trouxeram “mucha” gente ansiosa de ouvir a estreia do seu primeiro e novo álbum. Debaixo das pinãtas penduradas e sobre a escuridão do Palco Revolve, o grupo de amigos apresentou os novos temas. Para Célia, vimaranense de 15 anos e estreante no festival, os “mais esperados” eram os Toulouse. Notou-se um abandono dos tons tropicais a fazer lembrar a maresia e uma subida ao cosmos, mas o sentimento de inocência juvenil parecia continuar lá.

Os palavrões, fruto do êxtase pós-concerto ao esvaziar da sala que albergou os nipónicos Bo Ningen, confirmaram a expectativa criada por grande parte do público: o espetáculo da noite ficou a cargo do quarteto vindo do outro lado do mundo. Envergando um vestido negro, Taigen Kawabe, vocalista e baixista da banda, soltou os seus demónios através de expressões faciais e de gritos, no meio de uma malha barulhenta. Com eles, chegou uma onda que virou o Palco Mucho do avesso, com direito a moche e a um incansável abanar de cabeça. Para o bracarense João Martins, também ele estreante, os japoneses “são uma banda com um ethos bastante próprio, quase que fazem um próprio género”. Essa peculiaridade valeu-lhes, em parte, o prémio de aposta ganha nesta edição do Mucho Flow.

Mas a bateria nervosa e as guitarras distorcidas da banda japonesa não tiveram seguimento sonoro no concerto seguinte – uma das marcas do Mucho Flow: uma mescla de géneros musicais tão distintos entre si que acabam por criar um resultado saboroso.

Na sala ao lado, Nite Jewel (nome artístico de Ramona Gonzalez) trouxe o sentimento revivalista dos anos 80 ao Palco Revolve. De vestimenta igualmente retro, em perfeita harmonia com o som por ela produzido, Ramona apresentou novos temas do álbum “Liquid Cool”, lançado este ano, fazendo desfilar outros marcos da sua carreira. O synthpop fofinho da americana serviu de grande contraste e, até, de descanso entre Bo Ningen e Blanck Mass.

Não é por acaso que o homem por trás do projeto Blanck Mass se chama Benjamin John Power. O britânico, membro fundador dos Fuck Buttons, trouxe uma avalanche poderosa de construções e desconstruções eletrónicas, numa tempestade sónica capaz de rebentar tímpanos. Os sons e os padrões descontrolados que se projetavam atrás de Benjamin pintaram uma das mais belas obras na grande tela do Mucho Flow.

Das 12 horas de som contínuo é difícil não falar dos outros momentos marcantes. No seu pop experimental, os Naked, formados na Escócia, com a provocadora Agnes Gryczkowska, dominaram o Palco Revolve. Agnes vestia um traje escuro transparente e com as suas tranças helicóptero erguia os braços, gritava e, a certa altura, já estava no meio da plateia, intimidando todos com o seu olhar estático e sedutor.

Ainda pelas 18h30, foi a voz serena e as cordas hipnotizantes da Joana Guerra que enterneceram a plateia, ainda meia absorta das interferências visuais e sonoras de Radioscope #2. A dupla Bruxas/Cordas, com Ricardo Martins na bateria e Pedro Lourenço no baixo, mostraram, na sua cumplicidade, como se diverte com a percussão e cordas, deixando o seu “Mandrake”.

Embora pareça irónico, é impossível esquecer os Memória de Peixe. Os pedais e loops da guitarra de Miguel Niculau, juntamente com as já gastas baquetas de Marco Franco vieram fazer flutuar o Palco Mucho. Já era noite e o abanar de pernas eléctrico do público era revelador do bom resultado da antestreia do seu novo álbum. Perto do fim, ouviram-se palmas cadentes vindas dos espectadores, os músicos juntaram-se numa espécie de jam session e acabam com um último tema.

É quase certo apontar que, em 2017, mais uma edição excelente de Mucho Flow assentará no edifício do CAAA. Sem revelar nomes, o organizador Miguel de Oliveira apontou: “O objetivo é crescer mais, até que não caiba mais gente dentro deste edifício”. O que é certo é que coube de tudo um pouco naquele espaço – do pop ao experimental, piscando o olho aos tons mais pesados da música atual.

O Mucho Flow trouxe um dia cheio de vida a Guimarães, estabelecendo-se uma vez mais como ponto alternativo de referência no panorama nacional. Para o ano há mais. “Mucho” mais.

Texto e fotos: Carolina Ribeiro e Nuno Gomes