Gabriel García Márquez trouxe alguma amargura ao meu Verão com a desastrosa história “Do Amor e Outros Demónios”. É provavelmente uma das obras menos conhecidas do autor, sendo este mundialmente reconhecido pelo êxito dos livros “Amor em Tempos de Cólera” e “Cem Anos de Solidão.” Mas este facto não tira o valor que a obra tem, que é uma das que mais gostei de ler.

Gabriel García Márquez foi um escritor colombiano, premiado com o Prémio Nobel da Literatura. Também foi jornalista, tendo sido no exercício da profissão que se inspirou para escrever “Do Amor e Outros Demónios”. Numa reportagem feita nas criptas do convento de Santa Clara, Márquez deparou-se com um caixão aberto, com as ossadas de uma menina e o seu extenso cabelo cor de cobre de 22 metros. Apesar de lhe ser dito que aquilo era uma trivialidade, pois o cabelo humano continua a crescer mesmo depois de morto, o escritor não considerou tal facto algo comum. O acontecimento trouxe à sua memória a lenda que a sua avó lhe contava sobre “…uma marquesinha (nobre) de doze anos cuja cabeleira se arrastava como a cauda de um véu de noiva, que morrera com raiva devido à dentada de um cão e que era venerada entre a população do Caribe pelos seus muitos milagres. A ideia de que aquela tumba pudesse ser sua foi a minha notícia daquele dia e a origem deste livro”.

Fonte: The New Yorker

Fonte: The New Yorker

A história passa-se no século XVIII, na Colômbia colonial, e conta o trágico romance de Sierva Maria e do sacerdote Cayetano Delalura. Sierva Maria era uma jovem marquesa, desprezada pelos pais, vivia nos estábulos com as escravas negras, e por elas era educada. Num dia em que passeava pelas ruas, foi mordida por um cão e apanhou raiva.

A partir daí, recebeu mais atenção e preocupação por parte dos seus pais, que recorreram a várias pessoas em busca da cura. Não obtendo sucesso, o Santo Ofício tomou conhecimento do que se passava com Sierva Maria e encaminhou-a para o convento de Santa Clara, de forma a limpar os “demónios” que atormentavam o seu corpo. Rapidamente se supõe que a menina não está doente mas sim possuída, procedendo-se a exorcismos. Caetano Delaura foi o sacerdote escolhido para tratar da jovem, mas ambos acabam por se apaixonar nas circunstâncias menos apropriadas.

É uma história infeliz, mas muito bem construída em função do título. O amor afigura-se como um demónio que destrói emocionalmente as personagens, através das várias relações que se estabelecem. Desde a relação escandalosa de Caetano Delaura com Sierva Maria, à relação forçada e artificial dos pais da jovem marquesinha. Por “outros demónios” podemos entender a religião e quem acredita nela, que na sua ignorância e pobreza de espírito, apelam à pureza e bem da menina, mas acabam por corromper a sua inocência e bondade com os métodos usados para a exorcizar. A história baseia-se na figura do demónio como um ser real que possuiu Sierva Maria, mas é no subtexto que está o verdadeiro sentido do título.

A escrita de Márquez é o factor que mais me seduz. O tema pode não ser uma novidade literária, mas sem dúvida que a maneira como é escrito torna cada livro uma obra única.