Muitas coisas que acontecem ao longo da História só se tornam conhecidas pelo público quando o cinema as traz à luz. As atrocidades da Primeira e Segunda Guerra Mundial são um dos temas mais explorados pela indústria.
“Agnus Dei – As Inocentes” aborda um aspeto diferente de toda a panóplia de calamidades da II Grande Guerra: as desgraças passadas em sítios remotos na Polónia, um país brutalmente devastado nessa altura, no período pós-guerra. Em dezembro de 1945, muitas freiras acabam grávidas por causa de umas certas “visitas” ao convento, e temem por um castigo divino. Mathilde (Lou de Laâge), uma enfermeira a trabalhar na Cruz Vermelha francesa, aceita ajudá-las nos partos, arriscando a vida numa região ainda ocupada por militares soviéticos. Importa dizer que a irmandade era formada por freiras da Ordem de São Bento que, para além dos votos de castidade e pobreza, comprometem-se também com a clausura. Portanto, a presença de uma freira beneditina fora do convento causa-nos alguma surpresa.
O cinema também serve para discutir temas iminentes da nossa sociedade: a cultura de violação, uma parte da Idade Média que ainda permanece no mundo, infelizmente. Se a violação já é um tema controverso, imaginemos a violação de freiras: é algo inconcebível. Contudo, “Agnus Dei – As Inocentes” é uma história inspirada em factos verídicos. Isto significa que houve pessoas que sofreram e viveram com esta desgraça. Pior do que isso, aconteceu a mulheres que prometeram amar um só homem e viver em castidade o resto das suas vidas. Ainda por cima foram soldados que o fizeram: indivíduos cujo intuito é o de combater o mal e praticar o bem. Foram soldados que mancharam um local sagrado – o convento onde elas viviam – com violência e vergonha.
Em termos técnicos, a palete de cores varia desde os tons cinza e negros muito estáticos, que conseguem imergir o espectador naquela sensação de angústia e sofrimento, até aos tons brancos, representados nos hábitos das religiosas e nas paisagens de neve. A fotografia é bela e contemplativa, refletindo a época na História, o ambiente do convento e o estado de espírito das personagens – frio, doloroso e sem esperança. A trilha sonora é quase inexistente, mas quando usada, surge de uma forma muito pontual.
Quanto ao elenco, maioritariamente feminino, a enfermeira Mathilde Beregeau é representada pela belíssima atriz Lou de Laâge, que nos encantou em “Respira” (2014), realizado por Mélanie Laurent. Também merecem destaque as atrizes polacas Agata Buzek (“Walesa”, 2012) e Agata Kulesza (“Ida”, 2013), pouco conhecidas ao público.
No entanto, o filme acaba por perder a sua força quando torna difícil a nossa identificação com as personagens, como acontece em quase todas as produções centradas em grupos de personagens. Realmente, apenas algumas têm um desenvolvimento que vai além do superficial. Outras freiras que também foram violadas não mereceram a devida atenção na narrativa, e assim o filme não consegue deixar-nos refletir sobre cada caso. Além disso, alguns movimentos de câmara parecem não corresponder ao ambiente retratado. Vejamos as sequências dentro do convento – esses movimentos são demasiado rápidos e repentinos, quando nesse lugar o tempo arrasta-se de uma forma mórbida.
Com uma direção muito segura e eficaz de Anne Fontaine, a realizadora fala de 1945 para falar melhor de hoje, com um olhar naturalista, sem melodramas. “Agnus Dei – As Inocentes” é uma belíssima homenagem às mulheres: as “vítimas-fantasma” do panorama da guerra. Estreia a 3 de novembro nas salas portuguesas.
Título: Agnus Dei – As Inocentes
Título Original: Les Innocentes
Duração: 1h 55min
Realização: Anne Fontaine Argumento: Pascal Bonitzer
Elenco: Lou de Laâge, Agata Buzek, Agata Kulesza, Joanna Kulig