Do vulcão musical que é o pós-punk já saiu lava para todos os gostos, que queima de formas diferentes e que vai formando ilhas diversas. São terras habitadas por magos e os seus discípulos, num culto que se prolonga há já mais de três décadas. Há os mais nervosos, de olhar abandonado de vida, que cantam sobre prazeres desconhecidos. Outros, quais “party animals”, são acompanhados de ritmos tão distintos quanto dançáveis.
Entre muitos outros pedaços de solo espalhados pelo imenso oceano musical, existe um que se ergue sobre os pilares da ansiedade, do desânimo e de uma vigorosa tensão, adicionando ao pós-punk o industrial.
Os Preoccupations, que dantes eram Viet Cong e que têm membros dos já extintos Women, dão-nos, no segundo álbum (de título homónimo), uma experiência peculiar. Segue a mesma fórmula nervosa, mas vulnerável, de Viet Cong, o primeiro da banda, e dobra-a; há mais negrume, mais corações acelerados e mais dentes rangidos. “Entrar” neste disco é quase como viver entre o momento em que se acende o rastilho, parando bem antes da explosão da dinamite. Mas também cabe, em Preoccupations, o encantamento, através de harmoniosas construções melódicas.
Nos primeiros instantes, encontramo-nos a flutuar sobre nuvens produzidas pelo sintetizador, mas cedo acaba a calmaria e quase que nos assustamos: olá, “Anxiety”. A faixa, soturna, dilui-se nesse jogo entre sons pesados e sequências consonantes, que não chegam para clarear a voz quase sinistra de Matt Flegel. Estamos, possivelmente, perante uma das canções mais bem conseguidas do álbum: os contrastes sonoros e a letra (“No control, no compensation/ A jaded need for some astonishment /It’s a blunt humiliation/ Not at risk of being overconfident”) são tiro certeiro, tal como o título. Esta estabelece uma ponte com “Degraded”, a faixa que se encontra a meio do role de canções. Não será estranho associá-los, aqui, aos Interpol, mas os Preoccupations arriscam com picos agudos e músculos bem mais tensos.
A segunda, “Monotony” tem uma guitarra esperançosa, e numa transição perfeitamente conseguida, “Zodiac” ergue-se de rompante. Parece haver música transe no começo, só para sermos balançados pelo baixo vicioso e por uma certa urgência em tudo que envolve a canção, num piscar de olho ao kautrock. A faixa gémea de “March of Progress”, do álbum anterior, encontra-se em “Memory”, no maior exercício do vocalista enquanto homem-forte desta banda – há o Matt ao qual nos habituamos e, depois, a meio da viagem, o Matt mais leve e de voz menos carregada.
Contudo, existem dois momentos em parece que se perde o fôlego nesta fuga ao que atormenta a mente. “Sense” e “Forbidden”, as canções menos inspiradas do álbum, interrompem algo que está prestes a rebentar – talvez seja esse o sentido, desligar abruptamente a corrente? Só eles saberão.
Absolvam-se os rapazes, porque depois chegam os melhores minutos de Preoccupations, na orelhuda “Stimulation”, um possível hino para os niilistas. Há guitarras a bradar velozmente, guiando o ritmo igualmente rápido que se estabelece com a ajuda do vocalista quase possuído, quase alegre, proclamando “We are all dumb inside/ All dead inside/ All gonna die”. A fechar, sintetizadores ao alto para “Fever”, a roçar o psicadélico e, talvez, a indicar o próximo passo da banda.
Resta esperar que todos os diabos neste disco empregues consigam, futuramente, estabelecer os Preoccupations como novos heróis do pós-punk. É deles a lava mais luminosa.
“Preoccupations”
Preoccupations
Jagjaguwar
2016