Nick Cave habituou-nos à sua genialidade inata que nunca desilude e Skeleton Tree é mais uma prova disso. Obsessivo, revoltado, intenso e emotivo, marcante pelos seus debates interiores que expõe tão naturalmente, Cave tornou-se num ícone musical para muita gente. Com o seu trabalho mais recente, a famosa alcunha “prince of darkness” ganhou em significado e em peso.

mojo4music.com (Tom Oldham)

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Skeleton Tree é o 16º álbum de estúdio da banda de rock australiana Nick Cave & The Bad Seeds. Lançado em setembro deste ano, foi acompanhado pela divulgação de um documentário altamente aclamado pela crítica, intitulado “One More Time With Feeling”, que regista cinematograficamente o processo da produção final do álbum.

A necessidade de documentar tudo aquilo que envolveu a criação deste trabalho surgiu da morte trágica do filho de Nick Cave. Após consumir LSD, o jovem não reagiu bem aos efeitos da droga, entrando em paranóia. Arthur Cave partiu com apenas 15 anos ao cair, acidentalmente, de uma ponte perto de Brighton, Inglaterra, em julho do ano passado.

A tragédia aconteceu quando Skeleton Tree entrava na fase final de produção. Cave parou o processo, alterou algumas faixas e decidiu avançar com “One More Time With Feeling”. O documentário, com direção de Andrew Dominik, foi financiado por Cave e teve como objetivo evitar entrevistas aos media acerca da morte do filho, e contextualizar os temas do novo álbum. No trailer arrepiante, é possível ver um Nick abatido e sem esperança: “what happens when an event occurs that is so catastrophic you just change?”.

O sombrio Skeleton Tree foi produzido por Nick Cave, Warren Ellis e Nick Launay. Apesar da maior parte das faixas já estarem prontas antes da tragédia, é curioso notar que algumas letras e interlúdios musicais se caracterizam por um tom quase profético, de anunciação devastadora. É o caso da primeira faixa do álbum, “Jesus Alone”: a abertura é feita pesadamente, com dissonâncias, ruídos. Nick Cave pinta um quadro de cores escuras e tristes, usa e abusa de crescendos, decrescendos e do sintetizador para criar sons agudos desesperantes. Surgem longos trechos vocais que evocam um chamamento: “with my voice I am calling”.

Rings Of Saturn” é experimental, doloroso e complementado por instrumentais evasivos. Cave é um verdadeiro poeta e brinda-nos com os seus brilhantes dotes de letrista. A palavra é declamada, pouco cantada, com um toque improvisado de puro génio. Não é fácil assimilar-se a quem se refere com “she”, mas poderá ser uma dedicatória à sua companheira, mãe dos seus filhos, “and this is what she does and this is what she is”.

A terceira faixa do álbum, “Girl in Amber”, é absolutamente linda e devastadora. Composta numa tonalidade menor, a voz frágil de Cave e a métrica disfuncional simbolizam a melancolia vivida, “and if you want to bleed, just bleed”. Faz referência ao período difícil da vida do cantor australiano quando perdeu o pai aos 19 anos, “the song, the song it’s been spinning now since nineteen” e ao ano de lançamento do primeiro álbum da banda, “the song it spins since nineteen eighty-four”. De partir o coração, esta obra prima remete claramente para a morte do filho, “I knew the world it would stop spinning now since you’ve been gone”.

Segue-se a faixa “Magneto” com a sua sonoridade envolvente, sintetizada e contemporânea. A repetição das palavras traduz a angústia do momento, o ambiente é calmo e as intervenções acústicas ocasionais concede-lhe um toque familiar. “I move, you move and one more time with feeling”, referência ao nome do documentário.

O ritmo explorado pela bateria é o foco de “Anthrocene”. É um lamento (“all the things we love, (…) we lose”) e uma imploração (“it’s a long way back and I’m begging you please to come home now”).

I Need You” é provavelmente a faixa mais aclamada de todo o álbum. É fácil compreender a natureza desta reação porque representa a faixa com a referência mais direta ao tema principal da obra, a perda do filho do artista: “you’re still in me, baby/I need you/In my heart, I need you”. É uma faixa genial onde Cave se expõe cruamente com a sua voz única. A capacidade que Nick tem de transportar a sua dor para os outros através da música é arrepiante; parece que a perda não é apenas dele, mas de todos nós.

A música “Distant Sky” contou com a colaboração de Else Torp, soprano dinamarquesa. A escolha de uma cantora lírica é muito interessante e revela a diversidade de influências da banda. Esta faixa traz uma lufada de ar fresco, um pouco de luz no meio de tanta escuridão. As cordas e o vibrafone resultam num efeito calmante e reconfortante.

A última faixa que dá nome ao álbum, “Skeleton Tree”, não é tão experimental e, por isso, soa-nos mais familiar. Contém harmonias interessantes e encontramos um Nick Cave mais simplista e recatado. A última linha que se ouve transporta-nos para um ponto final: “and it’s alright now”.

Em cada álbum lançado pelos Nick Cave & The Bad Seeds, a banda demonstra novas influências e conhecimentos adquiridos, novas sonoridades que não cansam de surpreender. Skeleton Tree é humano, e é muito frágil. Os poemas geniais de Cave e a voz despedaçada do mesmo representam a devastação do tema desta obra prima. É um trabalho difícil de ouvir, não só pelo facto de ser bastante experimental e o ruído ser característica da sua sonoridade, mas também pela sua natureza dolorosa de encarar. Nick Cave é um artista genial, e como ele, poucos existem.