A TDT já conta com sete canais. Mas há quem não possa ver nenhum.

Marcamos o 255 361 490. Ouvem-se três piii enquanto não há resposta. “União de Freguesias de Canedo de Basto e Corgo, boa tarde”. Do outro lado da linha, Ana Paula, funcionária da autarquia, dá-nos o mote para a história.

Findas as apresentações, vamos ao que interessa. Não há palavras meigas quando se pergunta sobre o funcionamento da Televisão Digital Terrestre (TDT) na freguesia. Imagens congeladas, som inaudível, pessoas sem a sua televisão.

Primeiro de Dezembro. Juntam-se dois canais à TDT, no total são sete. Mas há quem não consiga ver nenhum. Nós fomos conhecer quem não tem “as notícias” à hora de jantar.

Uma hora depois de sair de Braga, chegamos

O café matinal não pode faltar e a paragem é no “Santa Luzia”, mesmo no centro da freguesia. Umas câmaras e uns tripés não passam despercebidos para os habitantes de Canedo de Basto.

Ao dizer o que vimos fazer, percebemos que estamos no sítio certo. “Eu comprei os aparelhos, as antenas e tudo mais e agora tenho lá tudo embaraçado”, desabafa uma senhora à porta do café. Não têm muito tempo para conversas. O marido despacha o assunto, enquanto entra para uma carrinha de caixa aberta, com um “isto era botar tudo abaixo”.

Andamos uns metros em busca de Ana Paula. A senhora que atendeu o telefone da junta, aparece de lenço na cabeça e telemóvel no ouvido a acenar. É feriado, mas não é dia de descanso.

“Hoje é feriado, mas a gente anda a aproveitar para limpar este muro para depois meter massa nos buraquinhos para não ficar com estas ervinhas”, explica. Ana Paula não trabalha sozinha. Com ela, andam o Pedro e o Filipe.

Os “jornaleiros”, que acompanham a dona do muro, não se intimidam com as câmaras e continuam o trabalho. Menos quando se fala da TDT. Aí, Pedro tem muito para contar.

“Já há três ou quatro meses que não tenho sinal nenhum”. A TDT é o muro entre a televisão e Pedro.

A entrada da RTP3 e da RTP Memória na TDT não afetou Pedro. “O que é que adianta? Não vem sinal nenhum”.

Isto não é caso único. Vêm a passo na ecopista que atravessa a freguesia, acompanhadas por quatro patas. Paramos as duas senhoras e puxamos o assunto para cima da mesa. O sinal também não chega a uma delas e já não sabe o que fazer: “O que é que me aconselham?”.

Não há tempo para muitas conversas, mas o recado fica dado

Não há tempo para muitas conversas, mas o recado fica dado

Não quer dar a cara, mas dá o número da porta: o 120 da rua Santa Luzia. Antes de seguir caminho, remata: “Sabem o que é que isto é? Um grandessíssimo negócio”.

Voltemos ao muro

Ana Paula conhece bem a realidade local por estar diariamente a receber pessoas na junta da união de freguesias. Enquanto continua o seu trabalho, identifica o envelhecimento da população como um dos maiores flagelos na aldeia. A televisão é, muitas vezes, a única companhia. “Os filhos e os netos não podem ficar porque têm de seguir vidas, e eles ficam ali a olhar para as paredes”.

As falhas no sinal da TDT afetam, sobretudo, os que não têm a possibilidade de aderir a um pacote por cabo. É o que acontece com Pedro, “jornaleiro”, que trabalha consoante o que aparece e só recebe se houver o que fazer no campo.

 

O trabalho começou de manhã. E continua à tarde, mas encher os "buraquinhos" com cimento ainda não é para hoje

O trabalho começou de manhã. E continua à tarde, mas encher os “buraquinhos” com cimento ainda não é para hoje

Quando chove não há trabalho. E nem aí Pedro pode ver televisão. Mas o que lhe faz mais confusão é não acompanhar as notícias à hora de comer. Salva-o a rádio que faz a vez da televisão.

A Anacom indica que existe uma cobertura de sinal em 100% do território nacional. Ana Paula não vai na conversa: “Pode estar coberto, mas não está com qualidade”. Apesar de já ter aderido a uma operadora de distribuição de televisão, só tem uma box – por isso o problema mantém-se nas outras três televisões que tem em casa.

Três em cada quatro televisões em Portugal têm serviço de televisão pago

Três em cada quatro televisões em Portugal têm serviço de televisão pago

As queixas são as do costume: a imagem pára e parte. Muitas vezes a única solução é mesmo desligar, porque chateia. “Não vale a pena. Não dá para estar tranquilo”, remata.

Os problemas adensam-se “quando há humidade e nevoeiro virado ao Marão”. A funcionária da junta ouve relatos de conhecidos, que vivem na Covilhã. “Tiveram lá uma televisão das antigas, vulgares, com antena interior e funcionava lindamente”, conta.

“Eu, por exemplo, também tenho uma operadora, mas, se entretanto o sinal ficasse bom, desistia também porque não precisava de estar a pagar para ter melhor imagem ou isso”, afirma Ana Paula, que é uma das muitas portuguesas que preferiram pagar a não ver televisão.

É ali, com as mãos a cheirar a terra, que Ana Paula traz ao de cima a eterna dicotomia “cidade-campo”. “Se calhar, perto das cidades eles têm outros equipamentos mais reforçados e nas aldeias não está tão bem equipado”.

Não sabe se é o que acontece na realidade, mas se for, “está errado”. E acrescenta: “Temos de pensar nas pessoas da aldeia da mesma forma que pensamos nas da cidade. Não é?”

As parabólicas constroem a paisagem em Canedo de Basto

As parabólicas constroem a paisagem em Canedo de Basto

Muitas perguntas ficam no ar e outras surgem quando lhe perguntamos sobre os jovens. Partem para estudar e por lá ficam. São também estas pequenas coisas, como a dificuldade de acesso à televisão ou à internet que “os fazem fugir”.

O pensamento de Ana Paula foge para a sua filha. Estudou na Universidade do Minho e as oportunidades escasseiam nesta freguesia minhota que faz fronteira com Trás-os-Montes.

“E, depois de fugir, virão ou não. Nunca se sabe”.


 

Pedro Gonçalo Costa
Sara Lopes
Tiago Ramalho