Pré-aviso de greve dos professores. É o que, desde a passada quarta-feira, está a colocar em suspenso a avaliação dos estágios no curso de Enfermagem da Universidade do Minho (UM). Emitido pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), este pré-aviso abrange a supervisão dos estágios durante todo o segundo semestre. Mas o que está, afinal, em causa, e quais podem ser as consequências de uma greve destas proporções?
O comunicado enviado pelo sindicato aponta como essencial “repor o quadro de legalidade” na Escola Superior de Enfermagem (ESE), referindo como ilegais as sete ou oito horas, exigidas por horário, no acompanhamento presencial dos Ensinos Clínicos Hospitalares. O sindicato critica ainda o modelo atual em que, quando os estudantes estagiam em unidades hospitalares, nestes Ensinos Clínicos, é requerida a presença do docente no local.
Em perigo ficam as avaliações do 1.º ao 3.º ano do curso de Enfermagem, que neste segundo semestre terão Ensinos Clínicos. Se a greve, cujo início está marcado para dia 6 de fevereiro, avançar, os alunos que forem colocados em hospitais correm o risco de verem a avaliação sobre o seu desempenho comprometida.
No entanto, o ComUM sabe que a ESE reuniu esta segunda-feira, por forma a fazer uma proposta que evite a greve dos docentes de Enfermagem.
UMinho exige aos docentes horas de trabalho ilegais, alega o SNESup
Durante os quatro anos da licenciatura, no curso de Enfermagem da UM, os estudantes têm Ensinos Clínicos, uma espécie de estágio onde se colocam os alunos em contacto com o mercado de trabalho. Estes períodos no terreno são realizados no segundo semestre de cada ano, exceto no 4.º ano, em que o Ensino Clínico se realiza no primeiro semestre. Neste último ano de curso, além do Ensino Clínico, no último semestre realizam outro estágio, mais completo e longo, apelidado de Estágio de Integração à Vida Profissional.
O que está em causa nesta possível greve dos docentes de Enfermagem são os Ensinos Clínicos dos três primeiros anos.
A cada aluno é atribuído um docente que é responsável pela supervisão pedagógica do aluno. Mas é logo nesta supervisão que começam as diferenças. Se o Ensino Clínico é realizado em unidades de cuidados de saúde primários – como os centros de saúde, por exemplo – ou se é já o Estágio de Integração à Vida Profissional, os docentes ficam responsáveis pela parte pedagógica e os enfermeiros com a parte profissional, acompanhando os alunos na unidade de saúde. Nos casos em que o Ensino Clínico é feito em hospitais – ou seja, unidades de cuidados de saúde diferenciados -, é exigido ao docente o acompanhamento presencial dos alunos em determinado hospital, por exemplo.
Os professores contratados pela ESE têm as suas funções definidas no artigo 3.º do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Politécnico – onde, segundo o decreto-lei nº 480 de 1988, o ensino de enfermagem está inserido. O parecer indica que os docentes devem apenas cumprir as funções que à sua categoria são correspondentes, e nada mais. Já para perceber se as horas exigidas pela escola de enfermagem da UM são legais é necessário recorrer à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. Esta declara, no artigo 109.º, que o trabalhador não pode prestar “mais de cinco horas de trabalho consecutivo, exceto quando se trate de jornada contínua ou regime previsto em norma especial”.
Nestes casos, e conforme descrito no parecer jurídico pedido pelo SNESup à sociedade de advogados “Anjos, Martins & Associados”, é imputada ao horário dos docentes, através do Regulamento do Ensino Clínico, a presença no local, junto ao estagiário, durante o turno, ou seja, entre sete a oito horas. Isto acontece em dois dos quatro dias semanais em que o estudante se encontra em Ensino Clínico, estando o docente confinado ao hospital durante o turno do aluno, apesar de alguns alunos afirmarem que, na prática, os professores não passam as sete ou oito horas exigidas na unidade de saúde.
O reitor da UM, António Cunha, em declarações à Agência Lusa, referiu que a universidade “não faz coisas ilegais”, no entanto, as sete ou oito horas de jornada contínua não estão enquadradas legalmente. O próprio acompanhamento presencial é algo preso ao passado, assume João Macedo, professor na ESE e membro do SNESup: “Se há alguma escola que ainda tem este modelo é uma coisa residual e é porque ainda não refletiu sobre isto. Porque as grandes escolas do nosso país, de enfermagem, nenhuma delas advoga este tipo de modelo”, esclarece o docente.
“Nós temos um modelo bipolar, ou seja, nós para o hospital exigimos que esteja presente um docente durante sete ou oito horas no turno. Os alunos que vão para o centro de saúde, como não podemos estar em todos, aí são entregues aos profissionais e eu faço supervisão pedagógica”, afirma o delegado regional de Braga do SNESup. João Macedo não encontra justificações para esta prática “bipolar” na ESE, mas acrescenta que a situação deve ser corrigida, já que a função de um docente é pedagógica e a do enfermeiro profissional é de prestação de cuidados.
O ComUM tentou contactar o reitor da UM mas, segundo a reitoria, António Cunha encontra-se fora do país.
Uma novela longa, mas sem ação
O princípio desta “história” remonta a abril de 2016. Após um parecer jurídico pedido por um docente da ESE e pelo SNESup, fica a saber-se que as horas de acompanhamento em campo são ilegais.
No entanto, apesar de tudo isso, em finais de janeiro de 2017, o problema continua por resolver. João Macedo afirma que imediatamente após receberem a confirmação dos advogados, enviaram a carta à reitoria e à presidência da ESE para iniciarem os contactos, de forma a repor a legalidade no sistema.
“Entretanto, por motivos que nos são alheios, ao sindicato e ao corpo docente, a reunião com o Sr. Reitor e a presidente foi sucessivamente adiada por questões de agenda, etc”, recorda o professor da ESE. Adiada e por marcar. É esse o estado atual da reunião em que se decidiria o futuro deste processo.
Entre abril e janeiro passaram nove meses sem qualquer contacto entre o sindicato, os docentes, a reitoria e a ESE, fazendo com que a situação permanecesse inalterada. Apenas o pré-aviso de greve, lançado dia 17 de janeiro, teve o condão de agitar as águas que submergiam este problema.
João Macedo acrescenta que este pré-aviso foi lançado ainda antes de sair o comunicado, por forma a não criar tanto “alarido”. A 17 de janeiro, sai o pré-aviso de greve, endereçado a cinco ministérios e a António Cunha.
Dois dias depois do pré-aviso de greve, no dia 19 de janeiro, o reitor da UM reuniu com os professores da ESE, visto que, desde o início de 2016, a crise orgânica da escola tem criado problemas, com demissões em massa dos órgãos de gestão e com eleições por marcar.
Apesar de a ordem de trabalhos ser esta crise da ESE, esperava-se que o caso dos Ensinos Clínicos viesse à tona. “Eu pensei que na reunião de dia 19, o reitor suscitasse este assunto, mas tal não aconteceu”, lembra João Macedo.
No dia 25 de janeiro, continuando o sindicato sem qualquer tentativa de contacto ou de marcação de reunião, avançou-se para a divulgação de um comunicado de imprensa. Apesar do problema ter tido impacto nos média nacionais, nada ainda foi feito.
Falta uma semana para o início do segundo semestre e, simultaneamente, da greve dos docentes da ESE. Apenas esta segunda-feira, houve movimento. A ESE reuniu com os docentes da escola, tendo em vista impedir que a greve anunciada pelo SNESup avance.
O ComUM tentou, por várias vezes, contactar a diretora de curso, Arminda Anes Pinheiro, assim como a presidente da escola em funções, Maria Isabel Lage, mas estas nunca se mostraram disponíveis a prestar declarações.
Alunos do 1º ao 3º ano podem ver avaliação comprometida
No meio disto tudo, onde ficam os alunos? Segundo João Macedo, “18 a 20” dos 30 docentes nos quadros da ESE têm Ensinos Clínicos em hospitais. Entre esses, “muitos deles vão aderir à greve,” diz o professor.
Isto significa que fica comprometida a avaliação dos alunos nos Ensinos Clínicos que, do 1.º ao 3.º ano do curso, englobam os cuidados de saúde diferenciados, caso nenhuma solução seja encontrada.
Ao que o ComUM apurou, parte da resolução do problema passa por corrigir a segunda alínea do artigo 2º do Regulamento do Ensino Clínico da ESE, aprovado em março de 2007 pelo então reitor António Guimarães Rodrigues, e nunca alterado. Esta alínea decreta que “a orientação dos alunos em Ensino Clínico em contexto de cuidados de saúde diferenciados é feita pelo docente”.
As propostas de revisão do Regulamento, diz o artigo 6º do mesmo, têm de ser “formuladas pela Comissão de Curso e submetidas à apreciação do Conselho Científico da Escola.” Isso implica que a diretora de curso reúna com os coordenadores das três áreas científicas do curso, um representante da Escola de Ciências da Saúde e ainda um representante de cada ano do curso.
“Sendo eu um otimista, acredito que até lá poderemos chegar a algum acordo. Se houver alguma solução terá de ser uma que passe por erradicar todas as ilegalidades. Neste momento não podemos ter um processo de transição, porque houve nove meses em que não fizeram nada”.
O ComUM entrou em contacto com o presidente da associação de estudantes, Francisco Oliveira, que referiu que a presidência da escola “garantiu que tudo estava a fazer para resolver a situação e para garantir os ensinos clínicos.”
O assunto já chegou à Assembleia da República. A deputada do Partido Comunista Português (PCP) por Braga, Carla Cruz, endereçou ontem, domingo, ao Ministério da Saúde e ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, questões sobre qual o conhecimento que o Governo tem sobre o assunto e que acção pretendem estes ministérios tomar perante os factos apurados.
Texto e reportagem: Carina Teixeira, João Pedro Quesado, Tiago Ramalho