Entrei na universidade há dois anos e trocos. Foi a experiência mais inexplicável da minha vida. Foi onde, essencialmente, aprendi sobre o mundo e sobre mim mesmo. Foi também onde aprendi duas lições valiosas a que irei dar bastante uso na minha vida: cozinhar e cinema.
Cozinhar, porque me dá uma independência que nunca senti antes (nem imaginam o quão contente fiquei com o meu primeiro prato de massa com atum) e ver cinema, porque me permitiu conhecer um mundo inexplorado por mim até à data, onde me revejo. Dito isto, e sendo este um dos meus últimos editoriais do ComUM (olhando para trás também só escrevi mais um), vou dar uso a estas duas grandes lições e apresentar-vos um livro de culinária sobre cinema.
Antes de começar, quero referir que este último ano acabei por me entranhar mais no mundo das séries de TV, sendo que este irá ser o capítulo do meu livro de culinária. Obviamente, há mais séries pelo mundo fora, mas sou também estudante e tenho que ter tempo para lavar a loiça, por isso, de todas as que vi este ano, destaco as que mais me surpreenderam.
Molho de Barbecue à Atlanta
“Atlanta” – (fácil de ver em casa, sozinho ou acompanhado, em duas noites) – uma temporada de dez episódios de 25 minutos cada.
– 2 copos da criatividade de Donald Glover, bem espremida;
– 1 copo de comédia pura, subtil e com um bom timing;
– 1 copo de realismo da sociedade afro-americana em cidades como Atlanta;
– 5 colheres de sopa de temas polémicos, bem argumentados, disfarçados de comédia simples;
– 3 colheres de sopa de grandes actores como Donald Glover, Brian Tyree Henry e Keith Stanfield;
– Uma pitada bem medida de uma jornada de um herói, de um “underdog”;
– Uma pitada de pensamentos profundos, provenientes da marijuana;
Juntar tudo numa taça, mexer bem, deixar repousar e ser servido pelo grande realizador Hiro Murai.
Carne assada de Planet Earth II
“Planet Earth II” – (preferível ver num grande ecrã, com boa resolução) – uma temporada de seis episódios de uma hora cada.
Começar com dez quilos de imagens da natureza e dos seus habitantes conseguidas pela BBC e escolher apenas dois quilos de planos de melhor qualidade.
Temperar com duas colheres de sopa de novas tecnologias espantosas de captação de imagem que nos transportam para o momento.
Temperar também com duas pitadas de imagens que nos atentam para os problemas que a Natureza enfrenta, como o aquecimento global.
Deixar cozinhar durante hora e meia para ficar com aquelas cores maravilhosas.
Deitar por cima um bom molho de transições espetaculares.
Servir com uma narrativa criada pelas imagens que nos obriga a “humanizar” os animais.
Nunca esquecer de acabar com um toque da narração de David Attenborough.
Cocktail de Lúcifer
“Lúcifer” – (ver acompanhado, um episódio por noite, ao longo de semanas) – duas temporadas de 13 e 11 episódios de 40 minutos, respectivamente, sendo que a segunda ainda não acabou.
– 5 cl do policial clássico americano, estilo CSI;
– 5 cl da narrativa mitológica da Bíblia, que nos surpreende;
– 3 cl de Tom Ellis e a sua brilhante capacidade de nos fazer odiá-lo, adorá-lo e termos pena dele ao mesmo tempo;
– 3 cl de uma complexidade da mente das personagens, que nos são facilmente transmitidas, demonstrando a variedade de emoções de cada um;
Acabar com uma casca de “humanismo” dado a Lúcifer, que, estranhamente, acaba por ser o bom da fita.
No final, pôr o cocktail de lado e beber um bom uísque duplo acompanhado pelo bom Rock n’ Roll que envolve a série.
Filet Mignon à Papa
“Young Pope” – (ver acompanhado, dois episódios por noite, ao longo de uma semana) – uma temporada com dez episódios de 50 minutos cada.
– 180 gramas de filet mignon de Jude Law (da melhor qualidade que há);
– Uma pitada de planos lentos, demorosos, quase em slow motion;
Passar a carne por um molho forte de ironia e sarcasmo e temperar com duas colheres de cores brancas e angelicais.
Cozinhar durante três minutos de cada lado, numa frigideira com diálogos e monólogos cheios de “innuendos” e segundas intenções.
Finalmente, servir com uma “intro” espectacular que nos deixa com pele de galinha
Cheeseburger De Black Mirror
“Black Mirror” – (ver acompanhado, um episódio por noite (não têm seguimento), ao longo de duas semanas) – três temporadas de três, quatro e seis episódios, de uma hora cada.
Todos os alimentos têm de ser criados “in vitro” num laboratório:
– Pão de centeio de actores britânicos, pouco conhecidos, que nos fazem dar ainda mais atenção ao argumento;
– Carne de argumentos imensamente criativos, com as consequências das tecnologias como tema principal;
– Queijo de reflexão profunda, criada pelo argumento;
– Molho irónico, com uma comédia crítica à sociedade e à tecnologia.
Servir com umas batatas fritas com molho de “twists”, que finalizam cada episódio.
Guisado de carne de Westworld
“Westworld” – (ver acompanhado, um episódio por noite, ao longo de semana e meia) – uma temporada de dez episódios de uma hora cada.
– Carne de vaca de uma ideia em bruto que junta o futuro e o passado, num argumento interessante;
– Vegetais típicos do Oeste, cortados aos pedaços, que nos relembram os antigos “westerns”;
– Vários tipos de feijão, cultivados e criados em laboratório, que nos fazem duvidar o que é humano e o que não é;
Cozinhar tudo numa panela com água a ferver e temperar com uma pitada do grande Anthony Hopkins e da sua qualidade e experiência.
Finalmente, servir numa taça da HBO que nos mostra que, apesar do crescimento da Netflix, ainda tem um grande selo de qualidade nas suas séries.
Menções Honrosas:
Martini à Britânico, “Shaken, not Stirred”
“The Night Manager” (ver sozinho ou acompanhado, dois episódios por noite, durante três dias) – 1 temporada de seis episódios de uma hora cada.
Ração de sobrevivência de anjos
“The AO” – (ver acompanhado, um por noite, durante uma semana) – uma temporada de oito episódios, de uma hora cada.
Guisado Africano, com especiarias Indianas e temperos Britânicos
“Taboo” (ver sozinho ou acompanhado, um por noite, durante uma semana) – uma temporada de oito episódios, de uma hora cada um. (Está a sair)