Noite de teatro, noite de uma viagem de Gil Vicente para os tempos atuais. A peça “Auto da Barca do Inferno”, com encenação da Companhia de Teatro de Braga, ocupou ontem o Theatro Circo. Os jovens, a maioria com 14 anos, do último ano do ensino básico, mostraram-se entusiasmados com o que se passaria na hora seguinte. Uma tarde enriquecedora, com gargalhadas e conhecimento à mistura.

D. Henrique, um Onzeneiro, um Parvo, um Sapateiro, um Frade cortesão acompanhado de uma mulher, Brízida Vaz, uma alcoviteira, um Judeu, um Corregedor e Procurador, um Enforcado e os Quatro Cavaleiros foram as personagens que chegaram à vez ao purgatório. Todas as personagens falaram com o Diabo e com o Anjo, mas nem todos viram os seus desejos realizados. O Parvo e os Quatro Cavaleiros foram os únicos a embarcar no Paraíso.

Ouvia-se o entusiasmo. O público estava à espera de poder entrar. Muitos foram os jovens acompanhados dos seus professores que assistiram ao espetáculo. Susana Ribeiro, docente do 9.º ano de escolaridade, confessou ser “uma boa iniciativa”, pois “todas as visitas de estudo são importantes”.

O auditório ficou às escuras. “Desejamos um bom espetáculo”, ouvia-se pelas colunas de som. O pano subiu. No palco, via-se o único cenário da peça. Duas casas: uma do Inferno (Diabo Tours), com uma luz vermelha; outra do Paraíso (Solar Paraíso), com luz azul. Em último plano, estava o estendal da roupa, essa que pertencia aos condenados no Inferno.

O Diabo aparece, senta-se no telhado, fuma e dança. Chega, de mota, o seu Companheiro: Vicente. O Diabo agride-o, provocando risos na sala. “À barca!” Do outro lado, no Solar Paraíso, aparece o Anjo na janela a fumar. O Diabo não perde a sua figura carismática, que se coloca sempre à porta do Inferno, com uma tábua para permitir a passagem, numa tentativa de convencer a quem aparecia para lá embarcar. O toque cómico estava presente: “Hihihi! Entra!”

D. Henrique foi o primeiro a chegar. Convencido de que iria para o Paraíso, foi rejeitado, e acabou por perceber que o seu destino era o Inferno. O Onzeneiro aparece. “Para onde é a viagem?”, perguntou. O Diabo respondeu: “Para onde tu hás de ir”. O Parvo, embora fosse provocado pelo Anjo, não entrou no Paraíso de imediato, e continuou no Purgatório. Mais tarde, aparece com as suas asas de Anjo. O Sapateiro surge na peça com um sapato com salto, dando nas vistas. Depois da conversa, o Sapateiro rende-se ao Inferno. O Frade vem acompanhado de Florença, cujas personagens demonstraram ter uma relação íntima.

O Parvo fica estupefacto quando por ele passa Brízida Vaz, também condenada ao Inferno. O Judeu aparece a carregar o seu bode. Nem o Anjo nem o Diabo o querem levar, mas acabou por ir para o Inferno. O Corregedor e o Procurador aparecem em conjunto. Estes sentam-se junto à casa do Paraíso e o Parvo coloca-se no telhado. Segura numa garrafa de água e deita sobre o telhado, atingindo a cabeça destes. O Anjo ouviu os seus pecados. O Enforcado aparece e fala com o diabo. Chegam os Quatro Cavaleiros a cantar, que morreram a lutar pela fé. São bem recebidos pelo Anjo. No final, o Diabo vai ter com o Anjo, segura-o pelos braços e desaparecem juntos a guiar uma mota.

Os atores agradeceram. Os jovens mostravam-se contentes e aplausos fizeram-se ouvir. “Aprofundei os meus conhecimentos”, diz Gabriela Rio, aluna da Escola Básica 2/3 Pedro Barbosa, de Viana do Castelo. A estudante confessa, porém, ter esperado “uma representação igual à obra”. Beatriz Vicente, aluna da mesma escola, acha que é “uma boa iniciativa”, pois a partir da leitura “não se consegue perceber o movimento das personagens”.

O “Auto da Barca do Inferno” contou com a encenação de Rui Madeira, diretor da Companhia de Teatro de Braga, também apresentada esta semana, no passado dia 9.