A “Infância de Um Líder” baseia-se no conto homónimo de Jean-Paul Sartre. O filme narra a infância de Prescott, filho de um diplomata americano e de uma nobre alemã, que se mudam para França, durante os meses da edificação do Tratado de Versalhes.

O filme é uma metáfora sobre a ascensão do nacionalismo radical na Europa pós I Guerra Mundial, com a infância de Prescott em pano de fundo. Prescott é um rapaz de aparência encantadora, confundido muitas vezes com uma rapariga (pela cena que abre o filme, mostrando a criança num fato de anjo, e pelo cabelo loiro e comprido). Porém, o seu aspeto adorável não passa de uma fachada para esconder o seu terrível ego. Ele cresce esquecido pelo pai e vive preso numa casa regida pelo fanatismo religioso da mãe, que é incapaz de dar carinho ao filho. O ódio e a corrupção pairam como fantasmas à volta do rapaz – tudo o que observa (a pressão familiar e social sobre o seu cabelo, o desejo carnal mal explicado e os ciúmes da professora de francês) molda o seu pensamento. Testemunhamos aqui o emergir do mal, através da divisão do enredo em três capítulos recorrentes a “ataques de cólera”, e um epílogo chamado “Uma Nova Era”.

Corbet, um ator-tornado-realizador, conhecido pelos seus papéis em filmes como “Mysterious Skin”, “Brincadeiras Perigosas”, ou “Melancolia”, inspira-se em cineastas com quem trabalhou – Lars Von Trier, Michael Haneke, entre outros – e cria uma obra genial com tendências suicidas. Os seus travellings lentos e suaves e longos planos estáticos poderão não agradar a alguns cinéfilos, visto que são traços do cinema europeu. No entanto, a sequência do epílogo é algo que fica na memória visual de qualquer um: a dualidade dos planos, que varia entre planos gerais que se expandem num travelling longo e demorado e a vertigem imagética que toma lugar quando o rosto do ditador é revelado ao povo. Tudo isto combinado com a trilha sonora orquestral é uma obra-prima.

Os tons escuros e frios da cinematografia, que variam entre os negros e os ocres, são melancólicos e refletem ainda a sombra inquietante da I Guerra. A luz revela os cenários barrocos e kafkianos, onde Prescott, a sua mãe e as criadas vivem.

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A trilha sonora, criada por Scott Walker, sublinha de uma forma extraordinária a atmosfera soturna e cética do pós-Primeira Grande Guerra. Os sons viscerais dos violinos e trompetes unem-se numa poderosa e angustiante ópera que segue os “verdes anos” do pequeno Prescott.

Robert Pattinson é um dos nomes mais sonantes do elenco. No entanto, tem pouco screen time e a personagem que interpreta, o diplomata Charles, é bastante irrelevante para o decorrer do enredo. Para além disso, o ator recebe um misterioso papel duplo, já que ele interpreta o fascista em idade adulta. Francamente, a sua performance destoa do conjunto de interpretações que temos do elenco, que convergem numa tensão surda. O jovem Tom Sweet merece aqui o melhor elogio, conseguindo desempenhar um papel exigente, ao acolher dentro de Prescott uma metamorfose silenciosa – e fê-lo de modo excecional. Sweet dá a Prescott ares de príncipe maquiavélico em pleno crescimento no seu íntimo, com olhares vingativos, voz ameaçadora e comportamento traiçoeiro. É simplesmente aterrador.

thumbnail_24604Brady Corbet estreia-se na realização com um filme que é o perfeito exemplo de como o terror é um conceito bastante “elástico” e multifacetado: este é um subgénero que cresceu no cinema americano, nas últimas décadas, começando com “O Sexto Sentido”, de M. Night Shyamalan e continuando com “A Bruxa”, de Robert Eggers e “The Boy”, de Craig William Macneill.