Existirá melhor forma de passar uma tarde do que a ver um bom filme de animação? Ou dois? Ou talvez mais? Apesar disso já não ser bem motivo de orgulho… Os filmes de animação são normalmente mais curtos e proporcionam mais magia em menos tempo. Um erro comum é considerar que são só para crianças, mas um bom filme de animação é composto por diversas camadas. Usualmente, entre histórias simples e familiares há um humor entrelinhas dirigido à geração mais adulta.

Por norma, divido filmes de animação em duas categorias: aqueles criados apenas para entreter e aqueles que realmente contam uma história. O ano de 2016 foi berço de várias longas-metragens de animação, mas o foco das atenções esteve em:

Kubo and the two strings (97% no tomatometer/7.9 no IMDB), uma produção dos estudos Laika que arrecadou 20 prémios e 48 nomeações. Nos BAFTA Awards foi premiado como melhor filme de animação. Na corrida para os Óscares Kubo and the two Strings está nomeado para as categorias de melhor filme de animação e melhores efeitos visuais.

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Zootopia (98% no tomatometer/8.1 no IMDB), uma produção da Disney com um total de 26 prémios e 53 nomeações. Conta com o Globo de Ouro para melhor filme de animação e está nomeado para o Óscar da mesma categoria.

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Apesar de serem ambos filmes que recomendo, a lista de diferenças é extensa e é isso que vou analisar aqui.

Produção

Kubo and the two strings diferencia-se, num primeiro nível, por ser estilo stop-motion. Estamos a falar de um trabalho pormenorizado, desenvolvido ao longo de cinco anos. Muitos dos créditos dou aos artistas plásticos. Num trabalho deste género, quando cada frame é uma fotografia, para haver fluidez nos movimentos e expressões faciais, é necessário executar mudanças minuciosas entre cada disparo, culminando num resultado final verdadeiramente fascinante. O aspeto visual deste filme é, indubitavelmente, o seu ponto forte. Desde as histórias com os pequenos bonecos em origamis animados, à construção de um barco através das folhas de uma árvore. Kubo é um filme esteticamente diferente e bonito que em momentos chega a ser hipnotizante.

Zootopia é uma grande produção da Disney, mas não é só mais uma. O que impressiona neste filme são as adaptações dos diversos habitats à metrópole, onde todas as espécies de animais convivem em harmonia independentemente das suas diferenças. Apesar de ser uma ficção, os produtores não ignoraram detalhes como as diferentes necessidades e tendências das variadas espécies. Quanto às necessidades temos diferentes zonas habitacionais na cidade, como por exemplo o distrito dos roedores, onde tudo é mais pequeno (diferença em tamanho), e o distrito florestal, com um clima mais húmido (diferentes habitats). Este filme sofreu vários rascunhos e fases de produção. Um dos aspetos que mais gosto em Zootopia, devido à complexidade da narrativa, é o facto de não sermos só transportados para uma história, mas sim para um mundo.

Storytelling

Este é o ponto menos forte de Kubo. A premissa dos produtores consistia em fugir dos padrões de história family friendly a que os filmes de animação nos têm habituado. A narrativa mostra a sua irreverência ao tratar de uma família disfuncional: uma mãe viúva que sofre de problemas de memória e está aos cuidados do filho. Na primeira parte do filme é difícil entender qual é a história, isto é, há demasiada informação à qual somos introduzidos. Kubo segue à linha a típica jornada do herói, no entanto, falta-lhe o motivo. Os acontecimentos, por vezes, parecem quase aleatórios e a conclusão torna-se ligeiramente confusa. Outro apontamento em relação à narrativa de Kubo relaciona-se com a falta da máxima: ‘’show, don’t tell’’.

Zootopia, por sua vez, faz um ótimo trabalho neste campo. A história sofre plot twists bem posicionados e consegue paralelismos e metáforas inteligentes. Apesar de pegar num tema atual (xenofobia e convivência entre seres humanos provenientes de diferentes culturas), a história não deixa de se encontrar muito presa aos padrões da Disney, que não sai da sua zona de conforto. Se por um lado o receio de arriscar se torna repetitivo, por outro lado é compreensível, isto é, quando se encontra a fórmula para o sucesso é normal que não se fuja muito desse padrão. Fórmula esta que foge ao máximo à possível controvérsia, criando sempre histórias que são family friendly. A nível de storytelling é por vezes uma pena, pois há pontos do guião que poderiam ser mais interessantes se explorados de forma mais arriscada.

Voice acting

Em Kubo and the two strings algumas escolhas de atores soam deslocadas. Ao mesmo tempo que a produção procurou atores capazes de “desamericanizar” o seu sotaque, utilizam Mathew McCounaughey, criando momentos no filme em que o seu sotaque texano é notável, provocando assim pequenas quebras no realismo da história.

Quando se trata de filmes de animação, a expressividade na voz é algo essencial. É o que dá vida à personagem e é importante que o ator transmita a essência da personagem através da voz. Em Zootopia o voice acting funciona bastante bem. São percetiveis diferenças na dicção, timbre e velocidade de fala consoante as espécies. Os predadores têm uma voz mais grave, os roedores falam mais rápido, a raposa tem um tom de gozo permanente e as preguiças falam extremamente devagar. Estes pequenos detalhes dão realismo à animação e funcionam bastante bem em Zootopia.

Conclusão

Embora provenientes de produtoras com estilos completamente diferentes e histórias quase incomparáveis, ambos têm a sua grande força. Zootopia é um filme animado com uma boa história e piadas mais direcionadas à geração adulta. É um filme com um bom ritmo narrativo que nos deixa numa boa disposição. Kubo, por sua vez, é uma experiência visual. A melhor forma de descrever este filme é dizer que é lindo. As cenas que envolvem a arte do origami estão extremamente bem executadas e a banda sonora da guitarra acrescenta um factor ‘wow’ à beleza estética do filme. Apesar de pecar pela falta de focalização na história há duas coisas sempre presentes: a força das memórias e dos símbolos que as carregam.

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Se Zootopia é quase um thriller animado, Kubo é uma obra de arte. Zootopia é um filme com escassas falhas, e acaba por ser mais coeso e completo que Kubo. No entanto, parece apenas mais um filme dentro dos mesmos estilos de animação. Por sua vez, Kubo destaca-se muito também pelo uso da cultura japonesa, principalmente do origami, criando cenas de beleza ímpar.