David Longstreth é, em Dirty Projectors, um homem de coração despedaçado. Terminada a relação com Amber Coffman (ex-integrante dos Dirty Projectors), o fundador (e hoje único elemento) dos autores do aclamado Bitte Orca fez um álbum denso, pintado pela cor das lágrimas de dor da alma. E é, à partida, estranho – tão estranho que, nas primeiras audições, até parece mal acabado. Mas este é um álbum que também é um puzzle.

readdork.com

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Se Coffman segue uma carreira a solo, lançando uma canção sobre o emergir de uma nova vida, de seguir em frente e de ser melhor, Longstreth segue o caminho oposto, ruminando no que restou do que já se foi, quase a culpabilizar quem o abandonou por uma diversidade de razões. Na verdade, em algumas faixas, parece que ouvimos o norte americano a vitimizar-se, quase a roçar a infantilidade.

No entanto, há quem pense que isto não passa de uma fachada do ex-casal, num exercício artístico que, por agora, tem dado frutos sumarentos, nos quais nos podemos demorar muito tempo. Ignorando teorias da conspiração ou não, podemos demorar o tempo que quisermos em Dirty Projectors. Este é um álbum que cresce dentro de quem o ouve, pacientemente, perdendo-se na paranoia e na cabeça confusa de David.

Os estilhaços do coração partido deste homem colam-se, aos bocadinhos, e trazem à tona a primeira faixa. Os sinos que começam o álbum rapidamente se distorcem, talvez numa analogia ao final do casamento de duas almas musicais. Em “Keep Your Name”, a voz de Longstreth lamenta, mergulhada em dor e autotune: “I don’t know why you abandoned me / You were my soul and my partner”. Depois, numa surpreendente tentativa de rap, afirma: “I don’t think I ever loved you”. Há, aqui, peças do puzzle para se juntarem: “Keep Your Name” está envolta num sample da fofinha “Impregnable Question”, do álbum Swing Lo Mallegan, ainda com Amber na banda.

Agora submerso pelas sonoridades de um R&B meio vanguardista, Longstreth entrega um dos melhores momentos do álbum em “Death Spiral”. A analogia é constante: a canção é sobre um avião a cair e, ao mesmo tempo, sobre, pasme-se, a degradação de uma relação. Ainda há espaço para mais farpas: “All I have is my love of love / But now you wanna blow us up”.

Há tempo, também, para recordar o momento em que se conhece alguém e para o queixume já costumeiro deste álbum em “Up in Hudson”: a par de “Little Bubble”, a faixa mais bonita do álbum, com instrumentos de sopro a harmonizar a atmosfera minimalista que se constrói.

E é com “Little Bubble” que se vê a beleza que advém da dor. Quase como baladeiro digital, Longstreth trabalha no paradoxo de instrumentos reais e na manipulação de sons, criando um ambiente reconfortante, enaltecida pelo nostálgico refrão “We had our own little bubble / For a while”. Logo de seguida, Dirty Projectors assina, quase na perfeição, uma das melhores canções R&B dos últimos tempos, com “Winner Takes Nothing”, um título de separações de bens oposto àquele que conhecemos dos Abba.

A fechar, o otimismo e, talvez, a conformação do fim: quase um suspiro de alívio depois da densidade das anteriores canções (“Forgiveness, reconciliation / Gratitude you know me and I know you”). O som do órgão quase celestial, intercalado com tantas outras deliciosas deturpações sonoras, e o sentimento de leveza a pairar no ar é o que resulta de “I See You”. Para pôr o corpo e as lágrimas a dançar, o homem lá declara: “I believe that the love we made is the art”.