Vamos esclarecer as coisas. Era uma vez uma organização chamada Nova Portugalidade (NP), que se assume como um movimento patriota e que se define como um grupo de “250 milhões”. Querem “reerguer uma família de povos que só por trágico equívoco se desfez” e reaproximar “as nações de fala lusa”. Viva o colonialismo, portanto. Alunos da FCSH e membros deste grupo decidiram organizar uma conferência, de nome “Populismo ou Democracia? O Brexit, Trump e Le Pen em debate”, com o historiador Jaime Nogueira Pinto, conhecido defensor do salazarismo e do Império.

Quando a conferência foi cancelada, às notícias juntou-se indignação. Primeiro foi dito que tinha sido a Associação de Estudantes da FSCH, numa Reunião Geral de Alunos com 24 alunos em que figuravam militantes do Bloco de Esquerda, que tinha pressionado a direção da FCSH a cancelar o evento. E esta cancelou, alegando falta de condições para o evento.

“Grita ‘caos!’, e solta os cães da guerra”. Da direita à esquerda, choveram críticas a todas as entidades da FCSH, por “inaugurar em Portugal a censura de esquerda nos meios universitários” (João Miguel Tavares, Público), e acusou-se os estudantes de serem “jovens censores” (Francisco Teixeira da Mota, Público). O Parlamento, esse, aprovou um voto de condenação à decisão de cancelar a conferência.

Mas afinal a história estava mal contada. Segundo o comunicado da direção da FCSH, a RGA votou pelo cancelamento, que a direção não aprovou. Mas a falta de “condições de normalidade e serenidade” levaram a direção a cancelar o evento, tirando responsabilidades aos estudantes, e informando Jaime Nogueira Pinto que teriam todo o gosto em convidá-lo sob melhores condições, para o mesmo tema de debate.

Tudo bem? Claro que não. Enquanto ficamos sem saber, afinal, porque raio havia falta de “condições de normalidade”, a indignação pública perante a decisão da FCSH cresceu, como uma bela borboleta portuguesa. Ou seja, bastante resmungona.

E enquanto tudo isto foi acontecendo, 40 militantes do Partido Nacional Renovador (PNR) foram à FCSH, tentar “conhecer melhor” os estudantes que promoveram o cancelamento.

Aparentemente, fomos todos um pedaço de chacota da NP. Porque segundo as entidades da FCSH, a NP queria levar o seu próprio dispositivo de segurança para dentro da universidade. Vamos pensar: uma organização de carácter fascista e salazarista, entra com um grupo de “segurança” privado, alheio à instituição de ensino público, para uma conferência onde discursa um conhecido romântico por Salazar, numa universidade que é desde sempre tendencionalmente de esquerda, e onde Bloco e PCP têm uma base conhecidamente forte. Aspas no grupo de “segurança”. Porque todos sabemos o que os fascistas queriam dizer por “segurança” dentro das universidades portuguesas. E agora ponham-se nos sapatos da direção da FCSH que, num e-mail à comunidade académica, disse que não pactuaria com exigências que promovessem uma “probabilidade de violência muito elevada”.

Não me oponho à conferência. Oponho-me a todos os ideais de Nogueira Pinto, mas um catedrático tem tanto direito à sua opinião como este catraio não-licenciado que está a escrever. Vivemos numa sociedade que permite toda a expressão política, e se Nogueira Pinto acha que seria excelente que Angola fosse nossa e retomássemos o transporte esclavagista, fixe para ele.

Mas também não me oponho à posição da associação de estudantes. Eu, colocando-me no papel de representante dos alunos, não apoiaria que um grupo com ideais fascistas proclamasse o império. Podem vir. Mas não com o meu consentimento. É a velha história de jogar sob protesto: o relvado está horrível e vocês põem-no pior, mas eu jogo à bola na mesma convosco. Até porque a UEFA me multa se cancelar o jogo.

Toda a culpa que a associação de estudantes e a direção da FCSH tivessem foi completamente dissipada pelos indivíduos do PNR. Aproveitando-se da falta de aparato mediático à sua volta, intimidam livremente os seus opositores, e nós continuamos a pensar que são pequenos.

Vimo-los em Lisboa contra os refugiados. Vimo-los a tentar entrar numa reunião do partido LIVRE. E vimo-los a tentar silenciar o jornalismo português no congresso. Eu presenciei isto, e digo-vos, não é uma imagem agradável. Que tenham toda a liberdade para falar. Mas que essa liberdade de expressão não resulte em intimidação e medo. Chega de ignorar os extremistas do PNR. O Congresso dos Jornalistas ignorou a sua presença, como se fossem uma mosca, mas a sua presença e o seu crescimento não pode ser deixado levar avante.

Nota para palavras de gente com maior espaço público que eu: esta terça-feira, João Miguel Tavares (JMT) tinha na contracapa do Público um texto seu com o título “Ser fascista em Portugal”. Nele, quase tenta desviar as culpas ao fascismo, dizendo que a palavra “comunismo” não é mencionada na Constituição, nem é considerada um insulto (“a maior vitória da extrema esquerda portuguesa”). JMT tem todo o direito a ser anticomunista. JMT tem todo o direito a defender o fascismo (não o faz, mas tem esse direito). Mas JMT tem de medir as suas palavras com uma régua daquelas da primária. Comunistas aqui idolatram Fidel Castro, mas não entram em universidades para intimidar estudantes não-licenciados. E Francisco Louçã, com todas as críticas que se possam fazer ao Bloco de Esquerda, é um catedrático defensor da democracia; Nogueira Pinto é um catedrático defensor do fascismo, puro e duro.