A praxe académica ainda faz parte das universidades e politécnicos portugueses. Esta é a principal conclusão de um estudo pedido pelo governo português e realizado em conjunto por investigadores da Universidade do Porto e do ISCTE, de Lisboa. Os principais resultados deste relatório – apresentado esta segunda-feira na Universidade do Minho – advêm de dois inquéritos realizados às instituições de ensino superior e às associações académicas e de estudantes, percebendo-se que as praxes académicas continuam a ser muito participadas, apesar de já existirem alternativas propostas pelos órgãos académicos.

Os dados recolhidos neste estudo são esclarecedores. Tanto as instituições de ensino superior como as associações académicas revelam que os estudantes participam nas práticas de praxe e mantém ainda reuniões formais com as estruturas de praxe académica. Quanto às denúncias de violência ou abusos, a maioria das respostas recolhidas indicam que não receberam qualquer queixa da parte dos estudantes.

No que toca às alternativas à praxe, quase todos afirmam ter criado outros modelos de receção e integração dos novos alunos, sendo, na sua maioria, organizados pelas associações académicas ou de estudantes. Um tópico muito discutido é a praxe dentro dos campi das universidades ou politécnicos – algo que está proibido na (UM) desde 2011 – e que, segundo as instituições de ensino superior que responderam ao inquérito deste estudo, não deve ser proibida.

A UM, no que toca às instituições de ensino superior, não aparece representada nas respostas ao inquérito enviado pelos investigadores, apesar da posição contrária do reitor António Cunha à atividade praxística.

Poucos casos de abuso, muita participação e alternativas à praxe

Em relação à participação em praxe académica 89% das direções de instituições de ensino superior afirmam que os seus estudantes estão envolvidos, número que aumenta quando os inquiridos são os representantes dos estudantes: apenas 3% das 29 associações académicas ou de estudantes afirmam não haver estudantes a participar em praxes.

A polémica em torno das praxes está sempre lado a lado com casos de violência ou abusos físicos e verbais. Mas essas notícias não parecem estar tão presentes no quotidiano das universidades e politécnicos, já que apenas 17% das respostas das direções das instituições de ensino afirmam ter recebido queixas relativas à praxe. Nas associações académicas, existem menos casos comunicados, mas também menos respostas a confirmar não haver casos ou denúncias. Isto porque, de entre as respostas recolhidas, 17% optaram por não responder ou não têm conhecimento nesta questão.

As alternativas, defendidas vincadamente pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, já têm espaço dentro das universidades e politécnicos. As associações académicas ou de estudantes, as reitorias e as direções de unidades orgânicas são os principais catalisadores de modelos diferentes e que sejam alternativas à praxe.

Há sexismo e homofobia na praxe?

A masculinidade encontra, na praxe, “terreno fértil”. O estudo dá exemplos das canções protagonizadas por “doutores” e “caloiros”, em confronto com outros cursos. Fazem alusões à virilidade e à libido de quem entoa os cânticos, em oposição à falta de masculinidade do outro lado. Isto, segundo o estudo, pode “adquirir traços machistas e homofóbicos”.

Os cânticos “são geralmente apresentados pelos estudantes como uma das práticas mais inofensivas na praxe académica”. Contudo, “parecem procurar chocar ou escandalizar quem os ouve e eventualmente quem os entoa”. “Chupa na banana, dá-me o ananás / és boa na cama, p’la frente ou por trás / P’la frente ou por trás, és boa na cama / dá-me o ananás e chupa na banana”. É um dos cânticos ouvidos pelos autores do estudo, em contexto de praxe, em Lisboa.

Estas músicas estão “profundamente” marcadas por uma “linguagem sexista”. Raparigas, de outros cursos, são chamadas de “putas” e acusadas de estarem sempre “dispostas”. Nestas “guerras” com outros cursos, são utilizadas ainda expressões que podem ser conotadas com a homofobia. “Enrabar”, “levar no cu” e “paneleiros” são palavras frequentes entre os cancioneiros dos grupos de praxe. Para os autores do estudo, é utilizada nestas músicas uma linguagem “claramente homofóbica”.

Os estudantes inquiridos desvalorizam-nas e entendem-nas como uma encenação. “Ao contrário da esfera pública, que é regida por regras e códigos de conduta, espera-se que na praxe as pessoas possam berrar quaisquer barbaridades justamente para se sentirem livres, descontraídas, extrovertidas e sem constrangimentos de nenhum tipo”, conclui o relatório.

Recomendação: cortar o financiamento às atividades ligadas à praxe

As associações académicas ou de estudantes representadas neste estudo não declararam qualquer posição contrária à existência da praxe académica. Como se lê no relatório apresentado esta segunda-feira na UM, “a grande maioria declara que concorda com as atividades de praxe, não se identificando nenhuma associação que tenha uma posição declaradamente contra o fenómeno”.

Um dos pontos que tem chamado mais a atenção no relatório é a recomendação do corte no financiamento público de atividades ligadas à praxe académica, “nomeadamente através do financiamento indireto que é atribuído às estruturas informais e não legitimadas de praxe por via de associações académicas e de estudantes”.

Recorde-se que o presidente da Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM) discorda da posição do governo nesta matéria, como referiu em entrevista ao ComUM, enquanto candidato à presidência da AAUM. Bruno Alcaide defendeu, na altura, os 625,22€ transferidos para o Cabido de Cardeais – órgão informal ligado às atividades praxísticas – afirmando serem “completamente enquadráveis na missão que cabe à associação académica”.

E o próximo passo é?

Além de recomendar cortes no financiamento a atividades ligadas à praxe académica, este estudo deixa ainda uma série de conselhos e medidas a aplicar pelo governo, pelas instituições de ensino, municípios e associações académicas.

Os autores sugerem levantamentos locais sobre a posição dos regulamentos internos das universidades e politécnicos em relação à praxe, bem como das estruturas de apoio jurídico e psicológico, tendo em vista a criação de um “relatório anual nacional” sobre este fenómeno.

“O não reconhecimento das estruturas informais e não legitimadas das praxes académicas” é visto como uma medida a implementar, procurando-se sensibilizar os órgãos académicos. Procura-se ainda realizar debates, quer sobre a praxe, quer sobre a sua prática nos campi, algo muito discutido e que já não é permitido na academia minhota.

A nível nacional, propõe-se a criação de uma linha de financiamento para “iniciativas e projetos de integração de estudantes do ensino superior na vida académica”. O estudo mostra-se muito crítico desta atividade, e remete ainda para a criação de um website com informação sobre estas atividades, bem como a criação de um folheto informativo – algo que já aconteceu este ano na UM.

Gonçalo Costa

Tiago Ramalho