Quando todos aqueles que se dedicam a conceber literatura querem viver melhor, chega uma novidade. Pouco falada, mas não menos importante, é a notícia de que o Governo vai voltar a oferecer subsídios para a criação literária.

São 180 mil euros que servirão para ajudar produtores de literatura. Sim, porque, para além de escritores, mesmo sem obra publicada, será possível beneficiarem de apoio financeiro estatal ilustradores, autores de banda-desenhada, bem como autores de projetos literários infanto-juvenis. Os apoios variam entre seis meses e um ano, conforme os trabalhos em causa e será um júri nacional a avaliar todos aqueles que forem submetidos ao Ministério da Cultura.

“Escrever é um trabalho. A remuneração desse trabalho é feita através dos direitos de autor, e nem sempre isso permite ao viver da atividade”. Estas são as declarações do ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, à RTP, no Jornal 2 da passada quinta-feira. A medida lançada pelo Governo pode constituir uma esperança no sentido de quem quer escrever mais poder fazê-lo com mais qualidade, segurança, dignidade, mas também pode constituir um restabelecimento gradual de confiança da parte da comunidade literária com o Ministério da Cultura.

Assiste-se atualmente a uma forte tendência de desvalorizar o campo literário. São as grandes editoras que compram pequenas editoras, são também elas que procuram a lógica comercial e a verdadeira fome do capital, e é o Estado que tem vindo a cortar, ao longo do último decénio, no Orçamento para a Cultura. Com esta conjuntura, a produção de literatura vê-se ameaçada, vê-se intrigada, vê-se frustrada.

A tendência tem apontado para uma redução da fatia do Orçamento do Estado para a Cultura a cada ano que passa, e uma das tarefas da atual legislatura passa por tentar apoiar mais este setor. De acordo com o ministro, o Estado garantiu um reforço de 19 milhões de euros. Este aspeto é tido, contudo, com pouco ânimo, apesar de o ministro afirmar: “ […] a nossa vontade de fazer coisas não para com os limites orçamentais”.

Mais do que um mero instrumento material interessante em termos decorativos, do ponto de vista do leitor, um livro representa trabalho cerebral, aquisição de cultura geral e uma melhor compreensão da vivência socio-individual e das suas perspetivas. Trabalhar o cérebro porque ler significa absorver conhecimento e agilizar as competências mentais, gerando efeitos como o atraso na velhice ou a simples promoção do bem-estar. Aquisição de cultura geral porque ler leva as pessoas a ganhar conhecimento geral, essencial para uma integração sociocultural necessária ao entendimento do contexto em que se insere, valorizando-o subsequentemente. Por fim, uma melhor compreensão da vida e das suas perspetivas, dado que o ato de ler fornece ao leitor ou à leitora outras formas de perceber o quotidiano, seja ele mais próximo seja ele mais distante, impulsionando a construção de um mundo mais equilibrado, respeitador, íntegro.

Quando o país deixa a sua cultura, esquece todo o seu legado, os seus valores, a sua legitimidade. Desvalorizar as artes, que aqui é neste sentido em que se aplica a palavra ‘cultura’, significa rasgar um livro que se começou a escrever desde cedo. Entender os apoios à criação literária como uma medida implementada em 1997 e terminada em 2002 é entender como tantos escritores se esforçaram por fazer o seu trabalho, ao longo destes últimos 15 anos, muitas vezes em condições difíceis, sem apoios ou sustentando-se apenas com as vendas de livros, em prémios e pouco mais. Não se apresenta fácil fazer-se literatura em Portugal, mas é fácil continuar a voar, a sonhar, a traçar as linhas de um mundo melhor. Talvez porque o mundo livreiro, como o mundo artístico em geral, seja um meio para se atingir um fim, sem se ser maquiavélico, mas sendo kantiano: agindo segundo a estrutura, a ordem, o dever pelo dever.

Sugiro um exercício: da próxima vez que o caro leitor ou a cara leitora for comprar um livro, pense na valentia, na ousadia, no suor, nas lágrimas até de quem o concebeu que necessitou para tal acontecer. Já dizia Saramago, no célebre “Ensaio Sobre a Cegueira”, uma frase que apontei na mente: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.” Incentivar a literatura é incentivar a escrita por um mundo melhor.