“Vai E Põe Uma Sentinela” é apenas o segundo livro de Harper Lee e a sequela do popular “Mataram a Cotovia”, publicado em 1960. Em ambos os livros a trama central decorre em Maycomb, uma pequena cidade ficcional do sul dos Estados Unidos, nos anos 30 e 50 do século passado. Nesta terra remota vive-se num casulo de valores tradicionais, onde as mulheres têm aspirações mais domésticas e as pessoas de cor negra continuam discriminadas.

No primeiro livro, Jean Louise era uma criança que não queria corresponder aos ideais de elegância e de cortesia esperados de uma família prestigiada do condado; ao mesmo tempo, ela aspirava a ser astuta e determinada como o seu pai e o seu irmão mais velho, livres das idiossincrasias de se ser uma senhora.

Neste livro, Jean Louise Finch é uma adulta emancipada, residente numa Nova Iorque que não corresponde aos preconceitos e costumes de Maycomb. A história começa com um regresso a casa da protagonista, para visitar a sua família e o seu namorado. Ela depara-se com uma cidade alterada pela prosperidade do pós-guerra, vulgo “sonho americano”, que permitiu a mais pessoas obter um emprego e melhorar a sua qualidade de vida.

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A sua antiga casa é agora uma gelataria; Finch’s Landing, a plantação da família Finch, foi vendida e reconvertida num clube de caça. Os homens das velhas famílias reúnem-se para combater os tumultos causados pelos negros, encorajados pela intromissão do governo federal sediado a norte; as mulheres reúnem-se na hora do chá para trocar sugestões domésticas e comentar vidas pessoais. Apesar de não se rever nestes costumes, Jean Louise nutre um certo carinho pela sua terra, e debate-se sobre se deve regressar de vez para assentar com o namorado.

Mesmo sendo dois livros que progridem a mesma história, julgo que estes divergem quanto ao seu género literário e temas abordados. O primeiro é um bildungsroman que retrata de um modo honesto temas sensíveis para leitores jovens, como a segregação racial, a violação de uma mulher e os direitos de um indivíduo. Entretanto, “Vai E Põe Uma Sentinela” é um livro para adultos que lida com temas mais ligados ao interior humano, pois Jean Louise descobre que os que lhe são mais próximos têm no seu âmago propósitos menos nobres a conduzir as suas ações. A protagonista sente-se então imersa num conjunto de dúvidas existenciais, que entram em conflito com os seus valores e o seu caráter. Contudo, julgo que a autora não foi tão coesa a clarificar e a resolver as reflexões deste livro.

No seu último ano de vida, Lee abriu-nos uma janela por onde perscrutar a evolução de personagens que gerações de americanos cresceram a estudar e a admirar, mas deu-lhes uma dimensão menos inspiradora. Tornou-os mais complexos, dotou-os de valores mais ambíguos, conferiu-lhes incongruências próprias de pessoas comuns. Talvez possamos ver os personagens com novos olhos porque a história é contada da perspetiva de Jean Louise que, entretanto, deixou de ser uma criança.

 

Diogo Sousa