A cidade de Braga não é estranha para Luís Oliveira. Estudou na Universidade do Minho há quase 20 anos e viveu numa residência universitária, sendo esta “uma experiência que não trocava”. Nos últimos tempos, a programação cultural faz com que venha “mais vezes”. Sublinha a divisão de Braga entre a “cidade dos estudantes” e o “resto da cidade”. Passam-se “coisas muito interessantes no resto da cidade – no Theatro Circo ou no GNRation” e gostava que “essa comunhão fosse mais eficiente”.

Hoje, é a voz das manhãs da Antena 3 e editor musical da rádio pública. Esteve presente nas XX Jornadas da Comunicação, organizadas pelo GACCUM, que versou sobre os “60 anos de Serviço Público”.

ComUM: Lembras-te da responsabilidade que tens, por estares no serviço público, todas as manhãs?

Luís Oliveira: Lembro-me. Nem sempre pelas melhores razões, ou seja, acho que a RTP é uma empresa muito escrutinada, às vezes até demasiado. Hoje, tenho responsabilidades na direção da [Antena] 3 e editoriais. Isso obriga-me a responder ao Conselho de Administração, ao Provedor e há sempre um compromisso muito grande com o ouvinte. A opinião de quem te ouve é sempre importante, mas quem sabe de rádio é quem faz rádio, e às vezes há uma cedência nessa altura que nem sempre é muito benéfica. E o serviço público, por estar muito exposto, sofre com isso. Os portugueses são muito exigentes com a RTP, em comparação com outros serviços que são públicos. Isso é bom porque obriga a RTP a ser mais exigente. Quando abres o microfone dizes: ‘este é o som nacional da Antena 3’, percebes que és ouvido do Minho ao Algarve e isso é uma responsabilidade grande. Eu penso muitas vezes no jovem Luís Oliveira que nasceu colado na rádio e projeto-me nos ouvintes. Que impacto é que pode ter a música que estou a tocar? O que estou a dizer sobre o artista A, B ou C.

Que impacto é que isso tem? Consegues ter noção?

Tenho, tenho. Felizmente, hoje, a figura do radialista foi dessacralizada. É possível tu ouvires uma coisa às 8h e mandares-me uma mensagem no Facebook ou um e-mail. É importante saberes que algo que estás a tocar está a acontecer. Isso, às vezes, não é imediato e não és tu que vais colher esses frutos. E quem trabalha no serviço público entende isso como uma bênção.

Há muitos artistas que começaste a ouvir na Antena 3 e, de um momento para o outro, têm um palco nacional, têm rádios grandes a querer tocá-los. Isso é o melhor que pode acontecer.

Isso é serviço público?

É. Mas é mais do que isso. É uma oportunidade para descobrires outros. Não para dizer assim: ‘não vamos tocar este artista porque outra rádio já toca’, não é isso. Mas perceberes que aquele artista do qual tu foste cúmplice, numa altura muito precoce da carreira, hoje tem outros parceiros, isso vai-te motivar a ser outra vez cúmplice de outra coisa que está a começar.

Como é feita a escolha dos artistas que tocam na Antena 3? O jogo das grandes editoras é real?

Isso é um mito. Nós somos obrigados a cumprir as cotas de música, temos de passar 50% de música portuguesa. E gostamos de passar.

Essa cota é ultrapassada?

Depende. Nós ultrapassamos os 50%, mas temos também uma cota para música cantada em português e eu essa já discuto muito. Não abrange artistas da lusofonia e, por isso, não sou motivado a escolher um artista como a Mayra Andrade. É uma artista mundial e eu não tenho nenhum interesse em passá-la, porque apesar de ser uma artista da lusofonia e portuguesa canta em crioulo. Ela conta como se cantasse em inglês.

Na Antena 3, nós molhamos o dedo e vemos para onde sopra o vento. Vamos falhar muitas vezes, sem dúvida. Mas essa ideia de que está tudo controlado vem de quem não toca. Claro que é frustrante fazeres uma coisa em que acreditas e depois não teres a visibilidade. Dando o exemplo de Barcelos, há artistas como os Black Bombaim que não tocam na rádio, dão concertos e existem. Há muitos artistas que não precisam dos meios tradicionais para se viabilizarem, para terem uma carreira, editarem os discos e terem o seu público. A rádio tem de aprender a viver com isso.

Lembro-me de uma banda de Guimarães, os Toulouse. Recebi no e-mail uma música deles e pusemos a tocar. Porque acreditamos, a música era boa, e a banda não tinha ainda uma página do Facebook nessa altura. Por isso, acreditar que há aqui conluio diabólico é estar desatento ao meio e um estado de negação.

Mas a rádio não é só uma playlist que toca música.

Não pode ser. As pessoas hoje ouvem em streaming e já nem precisam de ter o ficheiro. Lembro-me de estar em casa, na cama, a fazer de conta que estudava para História e a ouvir o Álvaro Costa, o Miguel Quintão ou o Henrique Amaro. Eles diziam coisas como ‘recebemos este disco e vai sair daqui a um tempo’. Isso hoje não acontece e está tudo em todo o lado. Eu recebo a música ao mesmo tempo que o artista a partilha. Não há um acesso tão privilegiado do meio como houve em tempos, nem faz sentido que haja. O papel do radialista que faz uma emissão de rádio musical é ser o filtro. Há muita coisa.

Na tua intervenção no debate, falaste da centralização em Lisboa da rádio e do país em geral. Os novos projetos da Antena 3, como o “Fios bem ligados”, podem ajudar no combate à centralização?

Têm-no feito. Mais do que pensar na emissão desdobrada por todos os sítios do país, tem a ver com a predisposição para estar atento a tudo o que se faz fora dos centros urbanos. Às vezes nós gostamos de saber o que se passa numa rua de Brooklyn e não sabemos o que se passa ao fundo da nossa rua. Devemos instigar sinais de pertença, porque há coisas muito interessantes que se fazem em vários sítios do país. Essa malta tem mais dificuldade em assumir-se como viável, porque o público é menor ou têm menos acesso à mediatização do que está a fazer. A Antena 3 tem um desafio de, pelo menos, estar mais presente nos pequenos festivais de verão, que são exemplo de uma geração que está a criar, a programar muito bem, a criar um público interessado e interessante.