Instant classic”… É com esta impressão que ficamos da primeira vez que ouvimos o álbum de estreia de Slow J, The Art of Slowing Down. Depois de se apresentar à música, em 2015, com o EP The Free Food Tape, João Batista Coelho carregou consigo enormes expetativas após um início tão auspicioso. Slow J não desiludiu: pelo contrário, transcendeu-se, fazendo história.

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Antes de analisar este projeto convém perceber o quão multifacetado é este músico. Se olharmos para o panorama do rap, onde ele se iniciou, mas ao qual não se quer rotular, são inúmeros os casos de artistas que se destacam por um ou outro atributo. Slow J domina-os a todos. Não é apenas dotado para o “liricismo”. Não tem só um “flow” bastante próprio. Não. Slow J junta-lhes uma qualidade tremenda na produção, um timbre vocal que chega a arrepiar, a capacidade de tocar outros instrumentos, num global inigualável que se reflete neste fabuloso álbum. J é, sem dúvida, um talento maior da música em Portugal, e com a pluralidade de géneros que açambarca será difícil encaixá-lo num só.

Exemplos? O álbum está cheio deles. Começando logo por “Arte”, Slow J expõe as suas ambições de atingir o patamar dos maiores numa sonoridade mais rock. Nele faz referência ao seu desencaixe num estilo só. Logo de seguida, na viciante “Casa”, Slow J abraça as suas origens africanas, num beat eletrizante com um travo forte a semba angolano. Mais uma vez, J afirma, de forma metafórica, que vive musicalmente em qualquer lado.

“Biza” traz um jazz, enriquecido por um trompetista de rua francês, que Slow J convidou a colaborar no seu trabalho, após tê-lo ouvido tocar uma só vez. “Serenata” e “P´ra Ti” demonstram os dotes de guitarrista de Slow, num ritmo mais tranquilo e pausado

A “Vida Boa”, produzida por Intakto, das poucas faixas sem produção de Slow J, é mais um exemplo da vontade de triunfar, voar alto. Num espírito otimista quanto a conquistas futuras, tal como a faixa final “Mun’Dança”.

O rap não deixa de estar presente, sendo “Comida” o maior exemplo disso. 100 “barras” num tom mais cru, de um rap mais puro. O peso está também vincado em “Sonhei Para Dentro”, num “trap” de tom insurgente, com um sample de guitarra portuguesa, mistura improvável, mas que o génio de Slow J sustenta.

A meu ver, em “Às vezes” atingimos o auge, com uma faixa magistral. Numa das poucas participações do álbum, Nerve presta serviço nesta obra-prima de quatro minutos. A poesia latente, a evolução palpável de toda a música, a temporização e aceleração do flow de forma perfeita consoante o ritmo do instrumental, que se vai transformando, com um piano a ir e vir, em timings certeiros. Tudo isto é emocionante.

Com tanto elogio parece ser um álbum perfeito. Talvez não seja. Se for picuinhas, posso afirmar que a intencional entrada nervosa em “Arte” soa um pouco barulhenta, ou que em “Pagar as Contas”, Slow J, Gson e Papillon destoam um pouco, dando quase a sensação de serem três músicas diferentes na mesma faixa.

Ainda assim, críticas mínimas num álbum extraordinariamente diversificado nas suas influências e estilos, todos eles complementando-se de forma mágica num projeto brilhante e concetualmente bem construído. 2017 poderá ser, no futuro, o ano para sempre associado à explosão de um génio.