A criação de qualquer obra – seja um guião de um filme ou uma tela para pintar – tem em comum o facto de começar com nada. Tornar nada em algo é um desafio.
É sempre necessário um ponto de partida. Por muito que nos queixemos das limitações e obrigações que um projeto nos incute, a verdade é que funcionam como linhas orientadoras – chamemos-lhe as fronteiras de um país por preencher. Podem ser estabelecidas por quem faz a obra, por quem a encomenda ou por um acordo entre ambos. Independentemente da sua extensão, é dentro desse país que o lado criativo, o ato de criar, entra.
A questão é que criar implica conhecimentos prévios. Por exemplo, para se criar uma boa história, é preciso viverem-se boas histórias: ler livros, ver filmes e séries, jogar videojogos, sair com amigos e ter experiências. Esta é a fase da inspiração, uma das primeiras do processo criativo.
A inspiração está inteiramente relacionada com a cultura do criador. Dentro desse país que vos falava, a inspiração funcionaria como um conjunto de terras disperso, distribuído e organizado com o auxílio da cultura.
Partindo desse fundo cultural, o criador formula ideias para iniciar o projeto. Para o concretizar, é necessário um conjunto de conhecimentos e técnicas, específicos para cada área criativa. Este advém da educação, uma fase anterior à conceção da obra, mas não necessariamente anterior à formulação da ideia.
Depois de concretizar o projeto, resta entregá-lo, divulgá-lo e distribuí-lo. É nesta fase que o criador deixa de depender inteiramente de si. Ou melhor, passa a depender em larga medida de outras pessoas, que também passarão por diferentes processos criativos complementares.
O principal problema desta última fase é o pormenor de o criador e da entidade que encomendou o trabalho passarem a depender, no fundo, de apoios.
Recorrendo novamente ao cinema, é complicado quando, no tal país que venho a falar, parece não haver o financiamento estatal necessário e o que há tem já destinatário. É difícil quando existe um mercado cultural fechado, que funciona à base de influências. Isto faz com que, quem realmente mereça, tenha de encontrar alternativas ou batalhar por financiamento, colocando várias vezes dinheiro do próprio bolso para produzir as suas obras. Não existe caso mais evidente do que a recente curta-metragem que ganhou o Urso de Ouro em Berlim ter sido feita sem um cêntimo estatal.
Não é justo atribuir este problema exclusivamente ao estado, porque também é um problema de mentalidade de grupo, de sociedade. Tólstoi, em Guerra e Paz, atribui grande mérito da vitória russa nas Invasões Francesas a esta questão da mentalidade de grupo, da força do psicológico. Contudo, ele também afirma que são necessários líderes que ajudem e contribuam para esta mentalidade.
Embora os principais exemplos tenham incidido sobre o cinema, parece que estas questões são semelhantes em grande parte das indústrias criativas e afetam, respetivamente, a cultura que, por sua vez, condiciona todos os passos do processo criativo. O ato de criar é também um ato de criar cultura. É um ciclo vicioso em que cultura se alimenta de cultura para a gerar.
Tudo isto pode parecer vago, mas os criadores passam por este processo. Apesar de cada um viver no seu mundo criativo, alguns partilham o tal país. E este, mesmo com fronteiras largas, sem cultura, não passa de um vazio por preencher.